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Caixa-preta do Airbus indica falha de piloto
Computador registrou falhas na operação da alavanca de aceleração das turbinas; hipótese de erro mecânico não está descartada
Sem controle, o piloto tentou parar o avião pressionando os dois pedais à sua frente, freando os pneus do trem de pouso
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A caixa-preta do Airbus-A320 da TAM que caiu em São
Paulo no dia 17 indica que houve erro do piloto na operação da
alavanca de aceleração das turbinas, além de captar o desespero dos pilotos em tentar frear
o avião no solo. Embora menos
provável, uma pane no computador do avião também não pode ser descartada, isoladamente ou em conjunto com o provável erro humano.
A Folha teve acesso aos dados, que chegaram ontem ao
Congresso em um CD-ROM
com cerca de 60 arquivos de
dados e áudio.
A primeira falha, cuja hipótese havia sido antecipada pela
Folha na semana passada,
ocorreu pouco antes do pouso,
quando o manete de controle
do motor direito foi mantido
numa posição de aceleração.
Deveria estar em ponto morto,
como o outro manete.
Ao pousar, os sistemas eletrônicos interpretaram esse
procedimento como um desejo
do piloto de acelerar. As duas
turbinas passaram a acelerar
automaticamente. Os freios aerodinâmicos não foram acionados. O freio automático dos
pneus também não funcionou.
Pode ter contribuído para a
aceleração anormal um segundo erro: apenas o manete da
turbina esquerda foi colocado
na posição de reverso máximo.
Essa turbina estava com o reversor, equipamento que auxilia a frenagem ao inverter o fluxo de ar na turbina, funcionando -a outra, não.
Mesmo com o reversor inoperante na turbina direita, o
procedimento correto deveria
ter sido colocar ambos os manetes em reverso. Mas o direito
permaneceu acelerando, segundo o registro.
A Airbus divulgou comunicado na semana passada alertando operadores de seus aviões
justamente sobre a necessidade de cumprir essas duas operações, baseada já em dados
preliminares da caixa-preta.
Houve outros acidentes semelhantes com o A320 atribuídos
a falha do piloto.
O avião da TAM estava com o
reversor direito desativado havia quatro dias, em razão de um
problema hidráulico.
Perdendo o controle, o piloto
então tentou parar o avião
pressionando os dois pedais à
sua frente, freando os pneus do
trem de pouso. Ao mesmo tempo, com as mãos, segurou o
quanto pôde o mecanismo interno que controla a direção da
bequilha, a roda da frente do
equipamento. Mas as turbinas
continuaram a acelerar.
Na semana passada, o brigadeiro responsável pela investigação, Jorge Kersul, disse que
não está excluída a hipótese de
falha nos computadores. "O dado do parâmetro pode indicar
que o manete estava em tal posição, mas quem prova que o
problema não foi eletrônico? O
manete pode estar em outra
posição e o problema ser de sinal eletrônico que o computador está emitindo. A gente pode
ouvir algo [no gravador de voz]
que o manete não sai do lugar,
está enroscado", disse à CPI do
Apagão Aéreo.
O arquivo de áudio a que a
Folha teve acesso revela que o
piloto e o co-piloto emitem frases lacônicas, mas importantes.
Ao tocar o chão na pista principal de Congonhas, uma voz
na cabine diz: "Reverso um
apenas". Ou seja, o piloto e o co-piloto sabiam que só um reversor estava operante.
Em seguida, outra frase:
"Spoiler nada...". Ou seja, os
spoilers (freios aerodinâmicos
na parte de cima das asas), que
abrem automaticamente no
pouso, não funcionaram.
O tom fica dramático: "Desacelera, desacelera, desacelera!".
Aumenta o pânico: "Não dá,
não dá, não dá". Por fim, a frase
já conhecida: "Vira, vira, vira".
Quem ouviu as gravações
completas e repassou o conteúdo à Folha não quis revelar as
palavras finais captadas dentro
da cabine de comando, segundos antes de o avião explodir,
matando 199 pessoas.
Os dados serão analisados
hoje pelos deputados com auxílio de técnicos da FAB.
Além da falha humana e
eventualmente de computadores, há uma terceira hipótese
derivada das anteriores.
O piloto teria realmente puxado os dois manetes para a posição correta na hora do pouso
-a posição conhecida como
"idle", ou "ponto morto", em
português. Por algum defeito, o
manete direito não teria se encaixado o suficiente para emitir o sinal eletrônico para o
computador de bordo.
Quando um avião como o
Airbus-A320 se aproxima da
pista para fazer um pouso, o piloto e o co-piloto devem introduzir nos comandos da cabine
os dados a respeito da aterrissagem. Nesse momento, os manetes podem ainda ficar na posição chamada "climb", que
significa "subir". O computador sabe que o vôo está no final
e desacelera as turbinas. Ao tocar o solo, entretanto, é importante que os dois manetes estejam então na posição "idle".
As caixas-pretas indicam que
o manete da direita estava ainda na posição "climb", ou ainda
"near idle" (quase desacelerada) quando o Airbus tocou a
pista. Nessas horas, quando o
peso da aeronave aciona os sistemas hidráulicos do trem de
pouso, o computador está programado para acionar os freios
aerodinâmicos (flaps e spoiler)
e o freio dos pneus. Só que nada
disso aconteceu.
Assim que o Airbus tocou o
solo, as duas turbinas voltaram
a ser acionadas. Uma delas estava com o reversor acionado
(do lado esquerdo) e o fluxo de
ar passou a ser invertido, ajudando a frear um pouco o equipamento. Do lado direito, porém, a turbina continuou a aumentar a força, como se o avião
tivesse de fazer nova decolagem. Pela tentativa do piloto
em "segurar" o avião, é possível
que ele tenha adernado à esquerda já no começo do pouso.
Sobre a pista de Congonhas,
as caixas-pretas ainda não encerram a polêmica. Mas o fato
de o piloto ter conseguido
manter o avião na pista indica
que a aderência não poderia estar muito abaixo do padrão.
Colaborou LEILA SUWWAN, da Sucursal de Brasília
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