São Paulo, sábado, 01 de agosto de 2009

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OPINIÃO

Quem tem medo dos fretados?

FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O CONCEITO de densidade urbana relaciona área e quantidade de habitantes. Em tese, quanto mais densa for uma cidade, menor é o custo de sua infraestrutura. A mobilidade é a chave da questão: municípios mais densos necessitam de menor rede de transporte.
Apesar da aparência contrária, em média, São Paulo é uma cidade pouco adensada (e muito extensa). Tal modelo -resultado de ações políticas e econômicas equivocadas de décadas e décadas- é ineficiente e caminha para o inviável.
A atual aceleração da construção de novas linhas é louvável, mas sejamos realistas: não há arrecadação suficiente para construir o sonhado metrô para toda a cidade. Se não podemos recomeçar do zero, então, qual é a alternativa?
Na cartola do técnico não existem propostas mirabolantes: a solução recai sobre um sistema integrado, que inclui trens, metrôs e, sobretudo, ônibus; que possui baixo custo de implantação, flexibilidade e largo alcance. Por isso, deveríamos apostar nos corredores de ônibus -de desenho civilizado, com canteiros arborizados, paradas confortáveis etc.
No dia 10 de julho, o "New York Times" publicou uma reportagem (reproduzida pela Folha) que louvou o sistema de ônibus de Bogotá, na Colômbia.
Contudo, Enrique Peñalosa -ex-prefeito da cidade e o responsável por implantar o sistema de corredores de Bogotá- diz que seu modelo foi Curitiba.
Com a solução longe do horizonte, cada cidadão resolve o problema à sua maneira. Uns caminham, outros vão de bicicleta e motocicletas. Há o táxi e aí vem o mototáxi. Mas a coqueluche é o transporte individual: enquanto, no período entre 2000 e 2009, o aumento populacional esteve na casa dos 5%, a frota de veículos da cidade aumentou cerca de 18%.
Claro que a malha de ruas e avenidas não cresceu na mesma proporção. Ela está saturada e também não há verba para novas vias e desapropriações.
Partiu da iniciativa privada outra alternativa: os ônibus fretados, tal como as lotações, surgiram da incapacidade do poder público em oferecer soluções que prestem um serviço público de transporte com conforto, segurança e qualidade.
A prefeitura acertou ao procurar disciplinar o fluxo de ônibus fretados em parte do centro expandido: com a tendência de crescimento, mais dia ou menos dia a situação ficaria insustentável. Contudo, após uma semana com novas regras, fica evidente que a municipalidade errou ao improvisar soluções que testam o sistema tendo o cidadão como cobaia.
Como muitos dos usuários de fretados fugiram do atual sistema de transporte público, não é um erro forçá-los a voltar? Os números parecem que não são confiáveis, mas vamos arriscar um cálculo simples.
Fala-se em cerca de mil veículos fretados que circulavam na área recém-proibida. A volta de 10% dos usuários de fretados para o veículo particular -estamos falando de 4.000 carros- significará um aumento de um quarto da área física nas vias públicas dentro da área proibida que os ônibus ocupavam.
Fora da zona restrita, a área dobraria. Vale a pena?
A municipalidade, ao invés de coibir, deveria estimular este tipo de solução, construindo, por exemplo, terminais adequados e vias de circulação restrita. Ao que tudo indica, os fretados, se fossem bem equacionados, poderiam diminuir o número de automóveis em circulação -e é disso que a cidade precisa. Afinal de contas, mesmo não sendo ideais, eles são um transporte de massa, viável e realista, que atende ao bem comum. Quem é mesmo que se interessa pelo contrário?


FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto, urbanista e editor-executivo da revista "Projeto Design"


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