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OPINIÃO
Quem tem medo dos fretados?
FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O CONCEITO de densidade urbana relaciona
área e quantidade de
habitantes. Em tese, quanto
mais densa for uma cidade, menor é o custo de sua infraestrutura. A mobilidade é a chave da
questão: municípios mais densos necessitam de menor rede
de transporte.
Apesar da aparência contrária, em média, São Paulo é uma
cidade pouco adensada (e muito extensa). Tal modelo -resultado de ações políticas e econômicas equivocadas de décadas e
décadas- é ineficiente e caminha para o inviável.
A atual aceleração da construção de novas linhas é louvável, mas sejamos realistas: não
há arrecadação suficiente para
construir o sonhado metrô para toda a cidade. Se não podemos recomeçar do zero, então,
qual é a alternativa?
Na cartola do técnico não
existem propostas mirabolantes: a solução recai sobre um
sistema integrado, que inclui
trens, metrôs e, sobretudo, ônibus; que possui baixo custo de
implantação, flexibilidade e
largo alcance. Por isso, deveríamos apostar nos corredores de
ônibus -de desenho civilizado,
com canteiros arborizados, paradas confortáveis etc.
No dia 10 de julho, o "New
York Times" publicou uma reportagem (reproduzida pela
Folha) que louvou o sistema de
ônibus de Bogotá, na Colômbia.
Contudo, Enrique Peñalosa
-ex-prefeito da cidade e o responsável por implantar o sistema de corredores de Bogotá-
diz que seu modelo foi Curitiba.
Com a solução longe do horizonte, cada cidadão resolve o
problema à sua maneira. Uns
caminham, outros vão de bicicleta e motocicletas. Há o táxi e
aí vem o mototáxi. Mas a coqueluche é o transporte individual: enquanto, no período entre 2000 e 2009, o aumento populacional esteve na casa dos
5%, a frota de veículos da cidade aumentou cerca de 18%.
Claro que a malha de ruas e
avenidas não cresceu na mesma proporção. Ela está saturada e também não há verba para
novas vias e desapropriações.
Partiu da iniciativa privada
outra alternativa: os ônibus fretados, tal como as lotações, surgiram da incapacidade do poder público em oferecer soluções que prestem um serviço
público de transporte com conforto, segurança e qualidade.
A prefeitura acertou ao procurar disciplinar o fluxo de ônibus fretados em parte do centro expandido: com a tendência
de crescimento, mais dia ou
menos dia a situação ficaria insustentável. Contudo, após
uma semana com novas regras,
fica evidente que a municipalidade errou ao improvisar soluções que testam o sistema tendo o cidadão como cobaia.
Como muitos dos usuários
de fretados fugiram do atual
sistema de transporte público,
não é um erro forçá-los a voltar? Os números parecem que
não são confiáveis, mas vamos
arriscar um cálculo simples.
Fala-se em cerca de mil veículos fretados que circulavam na
área recém-proibida. A volta de
10% dos usuários de fretados
para o veículo particular -estamos falando de 4.000 carros-
significará um aumento de um
quarto da área física nas vias
públicas dentro da área proibida que os ônibus ocupavam.
Fora da zona restrita, a área dobraria. Vale a pena?
A municipalidade, ao invés
de coibir, deveria estimular este tipo de solução, construindo,
por exemplo, terminais adequados e vias de circulação restrita. Ao que tudo indica, os fretados, se fossem bem equacionados, poderiam diminuir o
número de automóveis em circulação -e é disso que a cidade
precisa. Afinal de contas, mesmo não sendo ideais, eles são
um transporte de massa, viável
e realista, que atende ao bem
comum. Quem é mesmo que se
interessa pelo contrário?
FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto, urbanista e
editor-executivo da revista "Projeto Design"
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