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GILBERTO DIMENSTEIN
Ignorância intoxica
Quando a soda cáustica entra
pela boca, vai queimando língua,
esôfago, estômago; perfura a carne a ponto, muitas vezes, de a vítima vomitar sangue.
No Brasil, essa sensação é experimentada especialmente por
quem tem menos resistência à dor
-crianças que, ingênuas, engolem produtos de limpeza.
Documentadas durante 15 dias
pelo fotógrafo Juca Varella, da Folha, essas dores domésticas entraram na estatística oficial sobre intoxicação, concluída na semana
passada pela Fundação Oswaldo
Cruz.
Em 1998, foram registrados no
Brasil 71.840 casos de intoxicação.
As principais vítimas são crianças com menos de 5 anos; acidentalmente, elas ingeriram remédios, produtos de limpeza, agrotóxicos ou inseticidas.
Responsável pela coleta dos dados em todo o país, a Fundação
Oswaldo Cruz admite que a informação é falha. Não existem centros capazes de detectar a dimensão exata da intoxicação.
Técnicos da área de saúde estimam que 300 mil casos seria a estimativa mais realista -o que dá
perto de 900 vítimas diariamente.
"O que irrita e assusta é que boa
parte disso é evitável", afirma
Maria Élide Bortoletto, chefe do
Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas (Sinitox),
da Fundação Oswaldo Cruz.
Não se sabe quantas pessoas são
intoxicadas. Nem quantas morrem.
Atendidas a tempo, a imensa
maioria dos pacientes consegue
sobreviver.
É comum, entretanto, tornarem-se mais frágeis fisicamente,
suscetíveis a novas doenças.
Médicos alertam que medidas
simples, utilizadas em países menos selvagens, reduziriam os níveis de intoxicação, particularmente entre crianças.
Em primeiro lugar entre as causas de intoxicação estão os remédios; eles provocam diarréias, vômitos, úlceras, paradas cardíacas
ou respiratórias.
Há, de um lado, o descaso dos
pais. Não guardam os medicamentos em lugares seguros; muitas vezes, os pais são pobres, impossibilitados de olhar pelos filhos
durante parte do dia.
Há, de outro, o descaso empresarial: não são poucos os remédios fabricados sem a devida embalagem de segurança.
Existe uma lei no Congresso,
rastejando sem aprovação,
apoiada por técnicos de saúde.
Mas como a embalagem levaria
a aumentos de custos, os empresários mostram-se reticentes.
Na falta de uma lei, o governo
não fiscaliza.
Combinação explosiva: pais
descuidados, empresários irresponsáveis e governo omisso.
A ignorância vai a tal ponto que
as famílias não sabem quais produtos de limpeza contêm ingredientes tóxicos. As embalagens
coloridas obviamente atraem as
crianças.
Existe uma lista imensa de
plantas decorativas tóxicas, usadas largamente nas casas. São, na
prática, apenas venenos bonitos.
Pais e mães nem sequer sabem
como cuidar de um filho que se
intoxica. Imaginam ainda que
induzir o vômito ou dar um copo
d'água é uma boa idéia.
"Induzir o vômito pode sufocar.
Dar água dissemina ainda mais a
intoxicação", afirma o pediatra
Anthony Wong, do Centro de Assistência Toxicológica, em São
Paulo.
Para piorar, segundo Wong, os
estudantes de medicina recebem
escassas lições sobre toxicologia,
dificultando a eficácia do tratamento.
Repito, aqui, uma das melhores
frases que aprendi quando morei
nos Estados Unidos: se você acha
que educação é cara, veja quanto
custa a ignorância.
PS - Um novo golpe na praça. A
Polícia Federal informa a centros
de toxicologia, entre eles o Laboratório de Farmacologia da Universidade de São Paulo, que executivos e empresários foram vítimas de drogas capazes de afetar a
memória.
Um criminoso coloca a droga
na bebida. Ela faz o indivíduo
obedecer a comandos, mas, depois, não se lembra.
Há casos, segundo a polícia, de
pessoas que sacaram dinheiro de
caixas eletrônicos, depois se esqueceram.
Anthony Wong, toxicologista
de São Paulo, informa que esse tipo de droga vem sendo usada para facilitar o abuso sexual.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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