São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN

Ignorância intoxica

Quando a soda cáustica entra pela boca, vai queimando língua, esôfago, estômago; perfura a carne a ponto, muitas vezes, de a vítima vomitar sangue.
No Brasil, essa sensação é experimentada especialmente por quem tem menos resistência à dor -crianças que, ingênuas, engolem produtos de limpeza.
Documentadas durante 15 dias pelo fotógrafo Juca Varella, da Folha, essas dores domésticas entraram na estatística oficial sobre intoxicação, concluída na semana passada pela Fundação Oswaldo Cruz.

Em 1998, foram registrados no Brasil 71.840 casos de intoxicação.
As principais vítimas são crianças com menos de 5 anos; acidentalmente, elas ingeriram remédios, produtos de limpeza, agrotóxicos ou inseticidas.
Responsável pela coleta dos dados em todo o país, a Fundação Oswaldo Cruz admite que a informação é falha. Não existem centros capazes de detectar a dimensão exata da intoxicação.
Técnicos da área de saúde estimam que 300 mil casos seria a estimativa mais realista -o que dá perto de 900 vítimas diariamente.
"O que irrita e assusta é que boa parte disso é evitável", afirma Maria Élide Bortoletto, chefe do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz.

Não se sabe quantas pessoas são intoxicadas. Nem quantas morrem.
Atendidas a tempo, a imensa maioria dos pacientes consegue sobreviver.
É comum, entretanto, tornarem-se mais frágeis fisicamente, suscetíveis a novas doenças.
Médicos alertam que medidas simples, utilizadas em países menos selvagens, reduziriam os níveis de intoxicação, particularmente entre crianças.

Em primeiro lugar entre as causas de intoxicação estão os remédios; eles provocam diarréias, vômitos, úlceras, paradas cardíacas ou respiratórias.
Há, de um lado, o descaso dos pais. Não guardam os medicamentos em lugares seguros; muitas vezes, os pais são pobres, impossibilitados de olhar pelos filhos durante parte do dia.
Há, de outro, o descaso empresarial: não são poucos os remédios fabricados sem a devida embalagem de segurança.
Existe uma lei no Congresso, rastejando sem aprovação, apoiada por técnicos de saúde.
Mas como a embalagem levaria a aumentos de custos, os empresários mostram-se reticentes.
Na falta de uma lei, o governo não fiscaliza.
Combinação explosiva: pais descuidados, empresários irresponsáveis e governo omisso.

A ignorância vai a tal ponto que as famílias não sabem quais produtos de limpeza contêm ingredientes tóxicos. As embalagens coloridas obviamente atraem as crianças.
Existe uma lista imensa de plantas decorativas tóxicas, usadas largamente nas casas. São, na prática, apenas venenos bonitos.
Pais e mães nem sequer sabem como cuidar de um filho que se intoxica. Imaginam ainda que induzir o vômito ou dar um copo d'água é uma boa idéia.
"Induzir o vômito pode sufocar. Dar água dissemina ainda mais a intoxicação", afirma o pediatra Anthony Wong, do Centro de Assistência Toxicológica, em São Paulo.
Para piorar, segundo Wong, os estudantes de medicina recebem escassas lições sobre toxicologia, dificultando a eficácia do tratamento.

Repito, aqui, uma das melhores frases que aprendi quando morei nos Estados Unidos: se você acha que educação é cara, veja quanto custa a ignorância.

PS - Um novo golpe na praça. A Polícia Federal informa a centros de toxicologia, entre eles o Laboratório de Farmacologia da Universidade de São Paulo, que executivos e empresários foram vítimas de drogas capazes de afetar a memória.
Um criminoso coloca a droga na bebida. Ela faz o indivíduo obedecer a comandos, mas, depois, não se lembra.
Há casos, segundo a polícia, de pessoas que sacaram dinheiro de caixas eletrônicos, depois se esqueceram.
Anthony Wong, toxicologista de São Paulo, informa que esse tipo de droga vem sendo usada para facilitar o abuso sexual.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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