São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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POLÊMICA

Processo sobre interrupção de gravidez em caso de anencefalia ainda poderá ser arquivado

STF deve fazer debate público sobre aborto

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Autor da liminar que autoriza a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio de Mello decidiu convocar audiência pública para discutir o tema antes do julgamento definitivo do tribunal.
É a primeira vez em 194 anos de existência do STF que uma audiência pública é convocada.
A liminar do ministro Marco Aurélio vigora desde 1º de julho e, além de liberar a interrupção da gravidez, determina a suspensão de processos criminais contra mulheres e profissionais de saúde acusados de aborto nos casos de anencefalia -malformação do crânio ou desenvolvimento cerebral insuficiente, o que impede a sobrevivência fora do útero.
Para o ministro, a interrupção da gravidez no caso de anencefalia não é aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero.
Poucos dias após a concessão da liminar, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, criticou-a, dizendo que a interrupção da gravidez nesses casos implica violação do direito à vida e que seria uma modalidade de aborto.
Segundo especialistas em direitos reprodutivos ouvidos pela Folha, a audiência pública é uma resposta à pressão da hierarquia católica, que se viu contrariada desde que o ministro Marco Aurélio de Mello concedeu a liminar.
Entidades católicas vêem na liminar um avanço no sentido da descriminalização do aborto, além de abrir caminho para prática de extermínio de deficientes.

"Não é aborto"
O Código Penal brasileiro (1940) inclui o aborto provocado entre os crimes contra a vida, exceto em caso de risco de morte da gestante e de estupro. A mulher que se submete a um aborto pode ser condenada a até três anos de prisão. O profissional de saúde que induz o abortamento, a quatro.
As entidades favoráveis à liminar do ministro Marco Aurélio recusam-se a chamar de "aborto" a prática médica visando a interrupção da gestação de um anencéfalo. "Não se trata de um feto viável", defende a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, CNTS, entidade que propôs a ação que levou à liminar.
A convicção da CNTS deve-se a um consenso médico. Explica Dafne Dain Gandelman Horovitz, médica geneticista do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio: "Em casos de anencefalia, 50% dos fetos morrem ainda intra-útero. Dos 50% nascidos vivos, 2/3 morrem em até três horas; 84% em até 12 horas. Praticamente 100% em até 48h. Em 100% dos casos, há óbito ainda no período neonatal."
Antes da audiência, o STF examinará, até o fim de outubro, pedido de Claudio Fonteles, de arquivamento da ação da CNTS .
Se o processo escapar do arquivamento, serão convocadas entidades religiosas e ligadas à defesa da mulher e à área médica, além do deputado federal José Aristodemo Pinotti (PFL-SP), médico especializado em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia.


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