São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2010

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BARBARA GANCIA

Wesley Duke Lee vira no túmulo


É um tal de senta, assiste a um vídeo, levanta, anda meio metro, assiste a outro vídeo... Eu quero textura!


NÃO ME JULGUE mal, meu nobre leitor, mas convivo há anos com os trabalhos de Nuno Ramos, o artista da obra dos urubus que está no vão da Bienal.
Não por vontade própria, juro, são meus amigos que insistem em "colecionar" seus trabalhos, telas imensas, cheias de relevo e encharcadas de tinta que sempre me dão a impressão de que não secaram direito e estão embolorando.
Costumo especular sobre o que passa pela cabeça da empregada que vai trabalhar na casa de quem tem um Nuno Ramos pendurado na parede.
Perceba, meu dileto leitor, que não entendo patavina de arte. Mas, de faxina grossa e fina, sei um pouco, sim. O suficiente para perceber que a empregada nova que é confrontada com o monstrengo capaz de juntar pó e gordura em cada dobrinha pode entrar no mesmo desespero que o visitante da Bienal que se encontra diante da instalação de Nuno.
Realmente saúdo a Bienal por ter ressuscitado das cinzas. É um mérito ninguém mais lembrar que, há dois anos, ela agonizava entre a vida e a morte. Dívidas foram saldadas, problemas resolvidos e cá estamos de novo em plena celebração.
Mas será que foi para ver Nuno Ramos erguer um galinheiro e obstruir o vão do prédio do Niemeyer com caixotes mais umas caixas de som esparramadas com as musiquinhas que representam a sua infância que a gente redimiu a Bienal? O que é isso, flashback dos tempos do Equipe?
Pois, nesse caso, proponho que façamos um "happening", bem ao estilo do Nuno. Teríamos de contar com a colaboração do artista, será que ele toparia? Faríamos assim: a gente pega um muro bem grande, uma mangueira do Corpo de Bombeiros com muita água disponível e o Nuno Ramos de calção de banho (ou de cueca, se preferir). Daí a gente coloca o artista contra a parede, liga a mangueira na pressão máxima e a aponta para ele. Legal, né? Bem Joseph Beuys.
Ao menos isso representaria alguma ousadia numa mostra em que quase ninguém quer correr riscos. Pergunto: onde estão os quadros da Bienal? Fui procurar e os únicos que encontrei foram umas telas escuras do Rodrigo Andrade, colega do Nuno na Casa Sete.
O resto é tudo senta, assiste a um vídeo, levanta, anda meio metro, assiste a outro vídeo... Vem cá: se eu quisesse ver vídeo, tomava um avião e ia embora para Cannes, né não? Quero mais é textura!
A arte que a gente vê nesta 29ª Bienal parece um homem tirano que requer toda a atenção. Você é obrigado a entrar numa salinha, sentar e vestir um cabresto para assistir apenas aquilo ali.
Não tem mais aquela coisa deliciosa de andar para lá e para cá, como se estivesse num parque temático de arte.
É que agora a coisa ficou categorizada assim: em primeiro lugar, a Bienal é concebida como obra arquitetônica. Depois, quem manda são os curadores, e só então é que entram os artistas, obedecendo ordens feito paus mandados.
Para o público que não quer sobrar com os urubus ou ficar no senta-levanta, restam as mostras paralelas, as exposições oportunistas de nomes ridículos, as palestras com artistas e as mesas de debates.
Acho que vou ligar a mangueira. Chama o Nuno!

barbara@uol.com.br

@barbaragancia
www.barbaragancia.com.br



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