São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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Escolas contratam "experts" para modificar o currículo

Professores da USP e da PUC ajudam colégios particulares a se adaptarem ao Enem

O objetivo é inserir na grade curricular o conceito de habilidades e competências exigido no exame feito pelo Ministério da Educação


TALITA BEDINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Neste ano, alunos do ensino médio do colégio Santa Maria (zona sul de São Paulo) receberam um convite inusitado: ir à uma exposição na OCA (no Parque Ibirapuera) que falava sobre variações no clima. O que causou espanto não foi a atividade, mas a origem do convite: veio do professor de química.
Em meio aos vídeos e instalações sobre mudança climática, assunto de geografia, aprenderam o que é a chuva ácida e quais os gases que a promovem, tema da área de química. Para terminar, tiveram que escrever uma redação, atividade típica das aulas de português.
"Poderíamos, ainda, ter incluído a física, explicando o efeito estufa", conta Luis Robson Muniz, professor de química da escola. Responsável pela salada educacional, ele explica: "Hoje, a tônica da educação está cada vez menos na disciplina em si e mais em um tema a ser abordado por vários professores. É como os alunos aprendem a relacionar conteúdos".
Preocupadas justamente em adaptar seus currículos a essa nova realidade, exigida pelo Enem, as escolas particulares estão contratando a assessoria de "experts" -entre eles professores da USP e da PUC-SP.
O objetivo é tornar as aulas mais interdisciplinares e focadas no cotidiano do aluno para que ele possa desenvolver o conceito de habilidades e competências exigido pela prova do MEC -onde o estudante sabe usar o que aprendeu para analisar a sociedade em que vive.
No caso do Santa Maria, por exemplo, o professor queria desenvolver com os alunos a competência de analisar como e quais intervenções humanas destroem o ambiente. Para isso, passou para eles a habilidade de identificar os poluentes e seus efeitos na natureza.
Outra competência pedida pelo Enem é a de compreender a arte como uma manifestação cultural. Então, os alunos precisam ter a habilidade de analisar como as produções artísticas explicam as diferentes culturas. Por isso, algumas escolas estão tornando o cinema uma disciplina obrigatória, como fará o Carlitos em 2010, assessorado por um educador francês.
"Há uma procura crescente das escolas por projetos que tornem o currículo mais rico, mais interdisciplinar, mais prático. As escolas têm visto que esse é um caminho importante, que é uma tendência mundial", diz a coordenadora do programa de pós-graduação em educação matemática da PUC-SP, Célia Maria Carolino Pires, que também assessora escolas.
O professor do Santa Maria é um exemplo: após 20 anos de magistério, decidiu fazer doutorado em biologia, para relacioná-la melhor com a química.
"Ou eu me torno professor de ciências da natureza ou estou fora do mercado. Não tenho mais que saber só química."
Além do Santa Maria, outras grandes escolas passam por mudanças, como o Pentágono e o Visconde de Porto Seguro- que contratou uma assessoria para diagnosticar como estão as habilidades dos alunos.
No time de especialistas de algumas escolas há nomes como Vera Leopoldo Constantino, professora de química da USP, e Maria José Nóbrega, mestre em filologia e língua portuguesa pela USP -que diz ter observado uma procura maior por seus serviços, a ponto de ter que recusar clientes.

Enem
As escolas reconhecem que o Enem teve um peso significativo nessa mudança. Especialmente após as notas da prova passarem a ser divulgadas por escola, em 2006, facilitando a criação de um ranking, e depois do anúncio, neste ano, de que o exame substituirá vestibulares de universidades federais.
"As escolas foram resistindo, mas agora não têm como adiar. Elas estão sendo cada vez mais ranqueadas com base nas habilidades e competências", diz Silvio Freire, coordenador do ensino médio do Santa Maria.
A resistência, segundo os educadores, tinha dois principais motivos: os vestibulares, que antes moviam a comparação entre as escolas, costumavam exigir mais a "decoreba" de conteúdos; além disso, professores não queriam passar por mudanças na forma como davam aulas. É por isso que o professor José Claudinei Lombardi, da Faculdade de Educação da Unicamp, vê com ceticismo as alterações: "Grande parte dos professores tem uma prática muito tradicional cristalizada. Acho que essas mudanças são mais retóricas".


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