|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
MOACYR SCLIAR
Os direitos do consumidor
Supostos defensores da lei, a maconha que adquiri recentemente não é de qualidade nem razoável
|
Um americano de 21 anos ligou para a
polícia para reclamar sobre a péssima qualidade da maconha que tinha acabado de comprar. A polícia
disse que o jovem declarou ter comprado a substância naquele mesmo
dia, e que "foi horrível" quando a fumou. FOLHA.COM
"SENHORES DEFENSORES DA LEI,
melhor dizendo, supostos defensores da lei: dirijo-me a Vs.Ss. para denunciar um fato que reputo da
maior gravidade.
Como muitos outros, sou um regular consumidor de maconha. Caso
Vs.Ss. não saibam do que estou falando, e suspeito que não sabem
mesmo, porque infelizmente não se
pode confiar no conhecimento das
chamadas autoridades, explico-me:
estou falando da Cannabis sativa,
planta herbácea da família das Canabiáceas.
Ela é muito cultivada em várias
regiões do mundo e caracteriza-se
pelas folhas finamente recortadas
em segmentos lineares, pelas flores
unissexuais e inconspícuas e, sobretudo, pelo fato de fornecer esta
substância que tão grande papel
tem em nosso mundo, a maconha,
capaz de proporcionar um barato
que, ao menos no meu caso, constitui-se experiência insubstituível.
Isso, bem-entendido, quando a
maconha é de qualidade pelo menos razoável. Não foi o caso do produto que adquiri recentemente, pagando aliás preços elevados.
Fumei o primeiro baseado, fumei
o segundo e nada, senhores policiais, nada, absolutamente nada,
nada de nada! Normalmente, sob a
ação da maconha, eu vejo o mundo
diferente e muito melhor, um lugar
de paisagens deslumbrantes, de
pessoas agradáveis e simpáticas.
Mas, com aquela maconha, nada
disso acontecia. O mundo continuava sendo exatamente o mesmo, feio,
triste, asqueroso.
Escusado dizer que procurei imediatamente o fornecedor, a quem
aliás conhecia pouco. Reclamei do
ocorrido, mas ele não apenas não
me deu atenção, como ainda me
ofendeu: minha maconha é boa, você é que não presta, você não passa
de um garoto mimado e idiota.
Ameacei levar o caso à polícia, e
ele me desafiou: faça isso, não tenho medo. Daí esta queixa. Vejo minha atitude como uma legítima defesa do consumidor. Afinal, não podemos ficar à mercê de vendedores
inescrupulosos, que abusam de nossa boa-fé.
Se esta prática se generalizar, o
que será de nossa sociedade, da sociedade de consumo em geral? Precisamos de providências urgentes,
antes que essa prática se dissemine,
antes que cheguemos àquele estágio de completa anarquia em relação à qualidade da maconha e de
outras substâncias.
Sugiro mesmo que o problema seja entregue a uma comissão de experts capazes de padronizar a maconha, de propor uma hierarquia
dos diferentes tipos, de credenciar
os vendedores sérios e que são realmente confiáveis.
Creio, com toda a sinceridade, estar falando em nome de um grande
número de pessoas, que certamente
endossarão estas reivindicações e
que, se for o caso, poderão assinar
manifestos e participar de demonstrações em apoio ao aperfeiçoamento da qualidade da maconha.
Espero as providências de Vs.Ss.
E se, no meio tempo, puderem me
arranjar um bom estoque de maconha confiável, eu agradeceria. E até
voltaria a confiar na lei."
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias
publicadas no jornal.
moacyr.scliar@uol.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Atmosfera Índice | Comunicar Erros
|