São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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MOACYR SCLIAR

Os direitos do consumidor


Supostos defensores da lei, a maconha que adquiri recentemente não é de qualidade nem razoável

Um americano de 21 anos ligou para a polícia para reclamar sobre a péssima qualidade da maconha que tinha acabado de comprar. A polícia disse que o jovem declarou ter comprado a substância naquele mesmo dia, e que "foi horrível" quando a fumou. FOLHA.COM

"SENHORES DEFENSORES DA LEI, melhor dizendo, supostos defensores da lei: dirijo-me a Vs.Ss. para denunciar um fato que reputo da maior gravidade.
Como muitos outros, sou um regular consumidor de maconha. Caso Vs.Ss. não saibam do que estou falando, e suspeito que não sabem mesmo, porque infelizmente não se pode confiar no conhecimento das chamadas autoridades, explico-me: estou falando da Cannabis sativa, planta herbácea da família das Canabiáceas.
Ela é muito cultivada em várias regiões do mundo e caracteriza-se pelas folhas finamente recortadas em segmentos lineares, pelas flores unissexuais e inconspícuas e, sobretudo, pelo fato de fornecer esta substância que tão grande papel tem em nosso mundo, a maconha, capaz de proporcionar um barato que, ao menos no meu caso, constitui-se experiência insubstituível.
Isso, bem-entendido, quando a maconha é de qualidade pelo menos razoável. Não foi o caso do produto que adquiri recentemente, pagando aliás preços elevados.
Fumei o primeiro baseado, fumei o segundo e nada, senhores policiais, nada, absolutamente nada, nada de nada! Normalmente, sob a ação da maconha, eu vejo o mundo diferente e muito melhor, um lugar de paisagens deslumbrantes, de pessoas agradáveis e simpáticas.
Mas, com aquela maconha, nada disso acontecia. O mundo continuava sendo exatamente o mesmo, feio, triste, asqueroso.
Escusado dizer que procurei imediatamente o fornecedor, a quem aliás conhecia pouco. Reclamei do ocorrido, mas ele não apenas não me deu atenção, como ainda me ofendeu: minha maconha é boa, você é que não presta, você não passa de um garoto mimado e idiota.
Ameacei levar o caso à polícia, e ele me desafiou: faça isso, não tenho medo. Daí esta queixa. Vejo minha atitude como uma legítima defesa do consumidor. Afinal, não podemos ficar à mercê de vendedores inescrupulosos, que abusam de nossa boa-fé.
Se esta prática se generalizar, o que será de nossa sociedade, da sociedade de consumo em geral? Precisamos de providências urgentes, antes que essa prática se dissemine, antes que cheguemos àquele estágio de completa anarquia em relação à qualidade da maconha e de outras substâncias.
Sugiro mesmo que o problema seja entregue a uma comissão de experts capazes de padronizar a maconha, de propor uma hierarquia dos diferentes tipos, de credenciar os vendedores sérios e que são realmente confiáveis.
Creio, com toda a sinceridade, estar falando em nome de um grande número de pessoas, que certamente endossarão estas reivindicações e que, se for o caso, poderão assinar manifestos e participar de demonstrações em apoio ao aperfeiçoamento da qualidade da maconha. Espero as providências de Vs.Ss.
E se, no meio tempo, puderem me arranjar um bom estoque de maconha confiável, eu agradeceria. E até voltaria a confiar na lei."


MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

moacyr.scliar@uol.com.br


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