São Paulo, terça-feira, 01 de dezembro de 2009

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OPINIÃO

Fraude viola preceitos constitucionais

ROBERTO DIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como noticiado ontem nesta Folha, o concurso para contratar fotógrafos periciais, realizado em julho pelo Instituto de Criminalística da polícia de São Paulo, foi fraudado. Um dos candidatos era parente do diretor do instituto e, apesar de ter errado várias questões do exame oral, foi aprovado.
A Constituição, logo em seu art. 1º, prevê que o Brasil é uma república e se constitui em Estado Democrático de Direito.
Esses dizeres não são vazios de significado. Ao contrário, têm várias e relevantes repercussões jurídicas, como a submissão de todos -governantes e governados- à Constituição e à lei, a obrigação de dar publicidade aos atos do poder público, a imposição de respeito à igualdade e a observância dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.
A fraude noticiada viola todos esses preceitos constitucionais. Ao realizar a prova oral -dando, supostamente, visibilidade e transparência à seleção dos candidatos-, a administração pública encobria, de forma dissimulada, a preferência por certos candidatos.
Ao dar preferência a determinados concorrentes, ignorava o postulado da igualdade. Ao escolher, previamente, os candidatos que seriam aprovados, sem a apreciação de seus verdadeiros méritos, negligenciava o princípio da impessoalidade. Ao escolher um parente do diretor do instituto que contrataria os aprovados, agia de modo absolutamente imoral.
Aliás, ao tentar contratar um parente, fraudando o concurso público e burlando todas as normas constitucionais mencionadas, pretendeu-se, por uma via oculta, dar um ar de legitimidade à reprovável prática do nepotismo.
Como se não bastasse, a resistência da administração pública em fornecer ao jornal os DVDs com os registros da prova oral mostra o intuito de ocultar o que deve ser público.
Como mencionado por Bobbio, a democracia é o governo do poder visível, que não aceita o mistério. O próprio Supremo Tribunal Federal, em várias ocasiões, já afirmou que o poder que oculta e se oculta foi rejeitado pela atual Constituição brasileira.
A publicidade dos atos da administração pública é fundamental para viabilizar seu controle e, também, para alcançar a responsabilização dos agentes públicos que agem ilicitamente. Não se pode falar em controle da atuação governamental sem a explicitação de suas condutas e de suas intenções. E isso é da essência de uma república que se diz um Estado Democrático de Direito.
Diante de tantos escândalos, dos antigos dólares na cueca aos mais recentes reais nas meias, pode parecer que um concurso viciado não tenha tanta importância. Engano.
A fraude noticiada é gravíssima, pois atinge o coração da Constituição.


ROBERTO DIAS é advogado, doutor em direito do Estado, coordenador do curso de Direito da PUC/SP e professor de direito constitucional da mesma universidade


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