São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2001

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MARILENE FELINTO

Entrevistando prefeitos, esses seres estranhos

Nem negros nem tantas mulheres assim -eis a conclusão que se tira do secretariado da recém-empossada prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. Observo isso um pouco por provocação: em 1998, quando da eleição para governadores de Estado, participei de um grupo de jornalistas que entrevistaram para a Revista da Folha a mesma Marta, então candidata ao governo de SP. Perguntei se ela incluiria negros no seu secretariado. Respondeu que sim, claro.
Incluiria para o Estado, mas não para a prefeitura? Políticos são seres estranhos. Voltando à provocação: o fato é que sou a primeira a condenar escolhas por critérios raciais ou de gênero. Não acredito que a presença de negros e mulheres num governo possa torná-lo melhor ou pior.
Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo, o pior que a cidade já teve, é negro. Antes fosse branco, e evitaria as inúmeras piadas discriminatórias que o populacho inventou sobre a raça -e pelas costas- dele.
Mas como se vive em tempos de politicamente correto e ação afirmativa -e como Marta acenara para isso em 98-, pensei que tomaria agora essa atitude. Seria bom. Eliminaria a sensação de "déjà vu", de que todos os políticos são iguais, de que falam mas não fazem.
Tive oportunidade de participar de outra entrevista com a prefeita em meados do ano passado, quando ela estava em campanha. Era meu terceiro ou quarto contato direto com um político: 99% me deram a impressão de serem metade máscara, metade gente. A prefeita achou então que eu, no papel de jornalista, estaria querendo invadir sua privacidade -por sugerir que mulheres da periferia a entrevistassem em sua casa. Proibiu perguntas sobre sua vida pessoal.
Como não sou jornalista, nem de formação nem de intenção, deixei o equívoco por conta da candidata e seu intratável assessor de imprensa -esse sim, cobra criada no pior jornalismo.
Quanto às líderes da periferia, não se interessavam pela vida íntima da prefeita. Como eu tinha conversado com todas elas antes, já sabia que as perguntas se restringiam às necessidades da periferia: creche, asfalto, transporte, emprego.
Quatro anos antes disso, entrevistei para uma revista de São Paulo o então recém-empossado prefeito Celso Pitta. Foi o encontro mais estranho que já tive com uma pessoa. Pitta só dizia frases de efeito, cheias de advérbios inúteis, típico palavreado de quem não tem o que dizer, revelador da estreiteza intelectual de um tecnocrata ineficiente e insensível.
"Iremos efetivamente tomar providências para que a cidade" isso e aquilo. "Temos o sentimento de que enfrentaremos adequadamente" isso e aquilo outro. O discurso do então prefeito já o denunciava: era um pau-mandado, um homem perdido no meio de uma sala grande demais para sua existência, ocupando um cargo importante demais para sua insignificância.
Dos meus poucos contatos com políticos ficou quase sempre a mesma indagação -para além do que eles fariam ou não pela cidade ou pelo Estado: como legitimar e justificar a autoridade de qualquer um deles? Mas essa é uma velha preocupação da humanidade, desde Atenas e Esparta, quando filósofos políticos como Sócrates ou Platão já alertavam para o fato de que é preciso conhecer-se a si mesmo e cuidar de si mesmo antes de se pretender cuidar dos outros e de toda uma cidade.

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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