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SAÚDE
Maioria de sextuanistas e recém-formados em medicina não identificou quadro de lesão torácica em exame do Cremesp
Médico novo não reconhece trauma grave
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Mais da metade dos estudantes
do sexto ano de medicina e dos
médicos recém-formados avaliados pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo) não souberam reconhecer um quadro grave de trauma torácico que pode levar a pessoa à morte em poucas horas.
É o que aponta os resultados da
segunda etapa do "provão" que o
conselho realizou em dezembro
de 2005. Foram avaliados 286 dos
686 participantes habilitados para
o exame prático, que contou com
simulações em computador de
atendimento médico.
O exame não teve caráter punitivo e nenhum candidato foi reprovado. Para a aprovação, tiveram que acertar 60% do teste. A
nota média foi 7,67. Na primeira
fase do exame, ocorrida em outubro passado, compareceram 1.003
dos 2.197 alunos aptos a fazer o
teste.
A questão referida ao trauma
torácico simulava o caso de um
jovem que havia batido o peito
contra o volante durante um acidente de carro e que chegava ao
pronto-socorro com hipotensão
(queda da pressão arterial), batimentos cardíacos quase inaudíveis e mal-estar.
Os sintomas sugeriam rompimento da artéria aorta, situação
que necessita de uma incisão imediata na parede torácica. Ao menos 15% dos traumatizados de tórax passam por esse procedimento nos serviços de emergência.
Segundo o Cremesp, menos de
40% dos estudantes e dos recém-formados em medicina souberam
responder corretamente a questão. "Isso mostra que as escolas de
medicina não estão preparando
os seus alunos para as emergências médicas", afirma o médico
Bráulio Luna Filho, conselheiro
do Cremesp e coordenador do
exame de qualificação .
Para o médico, esse resultado
ganha especial preocupação diante do fato de que a maioria dos recém-formados vai trabalhar em
prontos-socorros e precisa estar
preparada para atender as vítimas
de traumas, principal causa de
morte de pessoas entre 20 e 40
anos.
"Nessas situações [rompimento
da aorta], é preciso abrir o peito
imediatamente, suturar a veia para tentar estancar a hemorragia.
Se isso não for feito rápido, o paciente morre", diz Luna Filho.
Para o cirurgião Paulo Brofman,
da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular e Angiologia, não é
fácil o diagnóstico de uma ruptura da artéria aorta. "Exige uma experiência em trauma. O estudante
precisa estar acostumado ao PS."
Porém, Brofman diz que o resultado do exame será importante
na elaboração de mudanças na
grade curricular dos estudantes
do país em relação ao trauma.
Na avaliação de José Erivalder
Guimarães de Oliveira, secretário-geral da Federação Nacional
dos Médicos, é possível que o resultado seja reflexo do fato de
muitas faculdades de medicina
valorizarem mais o diagnóstico
por imagem do que o clínico.
Porém, Oliveira diz acreditar
não ser correto generalizar essa
deficiência a todos os estudantes
com base apenas no teste do Cremesp. "Não acredito que todos os
recém-formados estejam nessa situação", afirma.
Mau desempenho
Na segunda fase da avaliação, os
estudantes e recém-formados
avaliaram, por meio de imagens,
40 situações que simularam problemas práticos das ocorrências
clínicas mais comuns, como atendimentos de emergência, procedimentos médicos, realização e
leitura de exames diagnósticos.
A melhor média foi a da Unifesp, com 8,01 (o corte era 6). A
pior foi 6,75, da Universidade de
Marília (Unimar). O Cremesp diz
que não é possível fazer um ranking, já que foram poucos os que
fizeram o exame. Da USP em São
Paulo, por exemplo, 44 dos 71
aprovados fizeram a 2ª fase. Da
Unimar, dois dos três aptos fizeram a avaliação. Os candidatos foram avaliados pela habilidade em
realizar o diagnóstico e pela conduta mais adequada de acordo
com cada situação proposta.
Além da emergência médica, os
resultados da avaliação foram
ruins em questões de saúde pública. Segundo Luna Filho, menos de
50% dos candidatos souberam reconhecer ou prevenir situações de
surtos e epidemias, por exemplo.
Outra (má) surpresa do exame:
apenas 17% dos sextuanistas e dos
médicos recém-formados preencheram corretamente um atestado de óbito. Esse desconhecimento prejudica as estatísticas sobre
as causas de morte no país e, conseqüentemente, as políticas públicas de prevenção.
Para José de Oliveira, os dois dados já são bem conhecidos. "Muitos médicos não sabem preencher
o atestado porque não atuam em
ambulatórios. A deficiência do
ensino em saúde pública também
já foi muito discutida."
A partir desses resultados, o
Cremesp pretende se reunir com
as escolas de medicina que tiveram pior desempenho e discutir
pontos que precisam ser melhorados no currículo dos estudantes. O conselho também cogita
realizar cursos de capacitação voltado aos jovens médicos.
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