São Paulo, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2006

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SAÚDE

Maioria de sextuanistas e recém-formados em medicina não identificou quadro de lesão torácica em exame do Cremesp

Médico novo não reconhece trauma grave

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais da metade dos estudantes do sexto ano de medicina e dos médicos recém-formados avaliados pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) não souberam reconhecer um quadro grave de trauma torácico que pode levar a pessoa à morte em poucas horas.
É o que aponta os resultados da segunda etapa do "provão" que o conselho realizou em dezembro de 2005. Foram avaliados 286 dos 686 participantes habilitados para o exame prático, que contou com simulações em computador de atendimento médico.
O exame não teve caráter punitivo e nenhum candidato foi reprovado. Para a aprovação, tiveram que acertar 60% do teste. A nota média foi 7,67. Na primeira fase do exame, ocorrida em outubro passado, compareceram 1.003 dos 2.197 alunos aptos a fazer o teste.
A questão referida ao trauma torácico simulava o caso de um jovem que havia batido o peito contra o volante durante um acidente de carro e que chegava ao pronto-socorro com hipotensão (queda da pressão arterial), batimentos cardíacos quase inaudíveis e mal-estar.
Os sintomas sugeriam rompimento da artéria aorta, situação que necessita de uma incisão imediata na parede torácica. Ao menos 15% dos traumatizados de tórax passam por esse procedimento nos serviços de emergência.
Segundo o Cremesp, menos de 40% dos estudantes e dos recém-formados em medicina souberam responder corretamente a questão. "Isso mostra que as escolas de medicina não estão preparando os seus alunos para as emergências médicas", afirma o médico Bráulio Luna Filho, conselheiro do Cremesp e coordenador do exame de qualificação .
Para o médico, esse resultado ganha especial preocupação diante do fato de que a maioria dos recém-formados vai trabalhar em prontos-socorros e precisa estar preparada para atender as vítimas de traumas, principal causa de morte de pessoas entre 20 e 40 anos.
"Nessas situações [rompimento da aorta], é preciso abrir o peito imediatamente, suturar a veia para tentar estancar a hemorragia. Se isso não for feito rápido, o paciente morre", diz Luna Filho.
Para o cirurgião Paulo Brofman, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular e Angiologia, não é fácil o diagnóstico de uma ruptura da artéria aorta. "Exige uma experiência em trauma. O estudante precisa estar acostumado ao PS."
Porém, Brofman diz que o resultado do exame será importante na elaboração de mudanças na grade curricular dos estudantes do país em relação ao trauma.
Na avaliação de José Erivalder Guimarães de Oliveira, secretário-geral da Federação Nacional dos Médicos, é possível que o resultado seja reflexo do fato de muitas faculdades de medicina valorizarem mais o diagnóstico por imagem do que o clínico.
Porém, Oliveira diz acreditar não ser correto generalizar essa deficiência a todos os estudantes com base apenas no teste do Cremesp. "Não acredito que todos os recém-formados estejam nessa situação", afirma.

Mau desempenho
Na segunda fase da avaliação, os estudantes e recém-formados avaliaram, por meio de imagens, 40 situações que simularam problemas práticos das ocorrências clínicas mais comuns, como atendimentos de emergência, procedimentos médicos, realização e leitura de exames diagnósticos.
A melhor média foi a da Unifesp, com 8,01 (o corte era 6). A pior foi 6,75, da Universidade de Marília (Unimar). O Cremesp diz que não é possível fazer um ranking, já que foram poucos os que fizeram o exame. Da USP em São Paulo, por exemplo, 44 dos 71 aprovados fizeram a 2ª fase. Da Unimar, dois dos três aptos fizeram a avaliação. Os candidatos foram avaliados pela habilidade em realizar o diagnóstico e pela conduta mais adequada de acordo com cada situação proposta.
Além da emergência médica, os resultados da avaliação foram ruins em questões de saúde pública. Segundo Luna Filho, menos de 50% dos candidatos souberam reconhecer ou prevenir situações de surtos e epidemias, por exemplo. Outra (má) surpresa do exame: apenas 17% dos sextuanistas e dos médicos recém-formados preencheram corretamente um atestado de óbito. Esse desconhecimento prejudica as estatísticas sobre as causas de morte no país e, conseqüentemente, as políticas públicas de prevenção.
Para José de Oliveira, os dois dados já são bem conhecidos. "Muitos médicos não sabem preencher o atestado porque não atuam em ambulatórios. A deficiência do ensino em saúde pública também já foi muito discutida."
A partir desses resultados, o Cremesp pretende se reunir com as escolas de medicina que tiveram pior desempenho e discutir pontos que precisam ser melhorados no currículo dos estudantes. O conselho também cogita realizar cursos de capacitação voltado aos jovens médicos.


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