São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2007

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BARBARA GANCIA

Coisinha tão bonitinha do pai

Empresas que usam a Lei Rouanet para patrocinar artistas consagrados deveriam ser boicotadas

QUANDO DIGO que artista bom é artista de boca aberta para cantar e recitar e bem zipada na hora de exprimir opinião política, o pessoal diz que sou ranzinza.
Pois, como se não bastasse aquele evento deplorável no Rio, no ano passado, em que um bando de desajuizados das artes cênicas e da MPB se reuniu para defender a Varig (sim, aquela mesma Varig que sempre cobrou tarifas estratosféricas do consumidor tapuia, que pagava salários muito acima das médias internacionais e que por anos deteve o monopólio das rotas internacionais e, mesmo assim, acabou no buraco), agora descobrimos que a Lei Rouanet está sendo usada para incentivar artistas mais do que estabelecidos.
Diga-me, dileto leitor: você acredita que a Maria Bethânia ou a Ana Carolina precisam se beneficiar de incentivos fiscais? Na sua opinião, a Daniela Mercury merece ficar com o tutu que você sua a testa para ganhar? Se você respondeu com um sonoro "não" às duas perguntas, atente ao que diz a reportagem do ilustre colega Jotabê Medeiros, publicada nesta semana no Estadão: "Para fazer sua turnê por Rio e São Paulo, Ana Carolina requisitou R$ 843 mil à Lei Rouanet, e conseguiu captar R$ 700 mil. Os ingressos para seu show custavam R$ 120. Daniela Mercury levantou R$ 814 mil da Lei Rouanet para fazer 12 apresentações. O show Brasileirinho 2, de Maria Bethânia, pediu R$ 1 milhão e já conseguiu captar R$ 300 mil. Beth Carvalho festejou seus 60 anos com uma festa no Teatro Castro Alves em Salvador, com diversos artistas convidados e no qual gravou um DVD e um CD comemorativos. Para tanto, pediu R$ 1,6 milhão e conseguiu captar R$ 1,3 milhão pelo sistema de renúncia fiscal". Confesso que meu queixo caiu e rolou para baixo da poltrona quando li o texto.
Pela graça de Deus, não conheço muito de MPB, meu negócio sempre foi rock e jazz. Mas, vem cá: a Beth Carvalho não é aquela sambista da antiga que fala sempre em nome dos pobres e se diz comunista? E a Daniela Mercury não é aquela artista dançante que canta sempre a mesma música e fala de amor ao próximo com um largo sorriso nos lábios? Por que elas precisam do nosso dindim para fazer shows e gravar CDs e DVDs comemorativos? A Lei Rouanet não deveria servir para incentivar novos talentos? Se vivêssemos em um país minimamente civilizado, a parcela mais instruída da população já teria se mobilizando para boicotar as empresas que usam da Lei Rouanet para patrocinar artistas consagrados e depois descontar do imposto de renda. Como não vivemos, além de pagar pelos impostos não arrecadados, ainda somos submetidos aos palpites políticos de uma classe artística que só pensa no próprio umbigo. Ô, coisinha tão mixinha do pai! Viva o John Coltrane, viva o Pink Floyd!

Homenagem
O governador Serra não foi ao enterro da sétima vítima engolida pela cratera do metrô, também conhecida como buraco da Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez. Acontece que nas vestes do office-boy Cícero foram encontrados dez papelotes de cocaína. Eu pergunto: traficante ou não, Cícero -e, por extensão, sua família-, não são tão vítimas quanto os outros?

barbara@uol.com.br


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