São Paulo, quinta-feira, 02 de março de 2000


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INCULTA & BELA

O velho "condicional"

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Na própria quinta-feira da semana passada, vários leitores mandaram mensagens que pediam a sequência da história: por que as pessoas mais velhas chamam o futuro do pretérito de "condicional"? De fato, esse era o nome. Em seu "Dicionário de Questões Vernáculas", o professor Napoleão Mendes de Almeida afirma que "a designação "futuro do pretérito", em vez da sempre usada em nossa pátria, como o é em outros idiomas, "condicional", é expressão terminológica da gramática espanhola, de autoria de um professor de espanhol do Dom Pedro II do Rio, imposta ao magistério brasileiro por simples portaria de 1959". O nome "condicional" é de assimilação certamente mais fácil. Quando se diz "Viveríamos melhor se o país investisse fortemente em educação", percebe-se que a forma "viveríamos" está atrelada a uma condição, expressa por verbo no subjuntivo ("investisse"). Já o nome "futuro do pretérito" para muitos parece a própria falta de senso. Futuro do passado? Como? Vejamos se faz sentido o bendito nome. Analise esta frase: "Ele nem imaginava que seria obrigado a passar por isso". A forma verbal "seria", do futuro do pretérito, indica fato futuro em relação a "imaginava", que está no passado, mais precisamente no pretérito imperfeito do indicativo. Entendeu por que "futuro do passado"? Veja outra frase: "Dias depois, ele tomaria a decisão". "Tomaria", do futuro do pretérito, indica fato futuro em relação ao tempo (passado) em que se dá a narrativa. Detalhe: isso só é verdadeiro se de fato o personagem, dias depois, tiver tomado a tal decisão. Se essa frase estivesse num outro contexto, em que um narrador expusesse o fluxo de consciência do personagem (a que se dá o nome de "discurso indireto livre"), o futuro do pretérito poderia simplesmente indicar que o personagem estaria "empurrando com a barriga" a tomada de decisão, que pode ter ocorrido ou não. Em "Vidas Secas", Graciliano Ramos trabalha como ninguém esse recurso ao expor o fluxo de consciência de Fabiano, que, descobrindo-se lesado, promete-se atitudes que não seriam tomadas. Entramos no terreno dos valores periféricos dos tempos verbais, assunto que já discutimos parcialmente em outras colunas. Sob esse aspecto, o futuro do pretérito talvez mereça mais algumas linhas. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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