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DANUZA LEÃO
As prioridades
Nós costumamos tratar
melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola
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QUAL É A pessoa que você trata
melhor neste mundo? Não
vale dizer assim, sem nem
pensar -"meu pai, minha mãe,
meus filhos".
Feche os olhos e faça uma reflexão
profunda: quando você chega em casa e tem um monte de recados na
máquina, para quem você liga primeiro? Para sua mãe, que está em
ótima saúde, ou para aquela pessoa
que ficou de dar a resposta sobre um
projeto? Para seu pai, que joga vôlei
todos os dias, ou para aquela mulher
maravilhosa, seu sonho de consumo
há anos? Bem, respondidas essas
perguntas, vamos em frente.
É doloroso, mas é verdade: cada
um de nós procura primeiro pelo
que mais o está interessando naquele momento, e que pode até ser o pai
ou a mãe -mas quase nunca é. A não
ser, claro, quando esse pai ou essa
mãe ficaram de responder a algum
pedido, seja de que tipo for, para o filho querido. Mas se, no fundo do seu
coração, você detectar que o telefonema é só para saber se você melhorou da gripe, pensando bem, dá perfeitamente para fingir que foi do trabalho direto para o cinema e ligar
amanhã de manhã, não é mesmo?
E por que será que as mães têm a
mania de saber da evolução da gripe
de seus filhos?
Com filho é diferente. Não há pai
ou mãe -mãe, sobretudo- no mundo que não interrompa a mais importante das reuniões de trabalho
para atender a um telefonema do filho, e ainda está para nascer uma
que tenha coragem de mandar dizer
que naquele momento está ocupada. Aliás, é só saber que é ele que está
chamando para dar um aperto no
coração; será que está bem? Será
que está precisando de alguma coisa? Será que caiu e quebrou a perna?
Não há uma só que consiga pensar
que, se ele está telefonando, tão mal
assim não pode estar.
Voltando aos recados: se for aquela pessoa bem famosa, que você conhece mas que não chega a ser um
amigo, você liga correndo, não liga?
E se for sua antiga babá, que te segurava no colo e contava histórias para
você dormir?
Você adora ela, claro, mas depois
de um dia tão duro -ah, dá para ligar
amanhã, claro que dá.
Tem mais: você já reparou como
são bem tratadas as pessoas com
quem a intimidade é pouca?
É duro de admitir, mas costumamos tratar melhor as pessoas a
quem conhecemos pouco, e mais:
que nos dão pouca bola. E isso em
todos os níveis, sobretudo quando se
trata de amor. Por que a maior parte
das pessoas ama tão apaixonadamente quem não aparece, quem trata meio mal, quem não ama direito?
Esses são absolutamente irresistíveis, enquanto daqueles que nos
amam de paixão a gente pode até
gostar, mas com uma mal disfarçada
indiferença. Nada mais desestimulante do que ter certeza; aliás, certeza seja do que for, sobretudo do
amor de um homem.
Nada deixa você mais viva, digamos assim, do que estar na corda
bamba, sem saber o que vai ser do
seu amanhã. Será que ele vem? Essa
falta de segurança -exatamente a
tal segurança que se busca em todos
os momentos- é que move o mundo. É ela a responsável pelas academias de ginástica, pelos salões de cabeleireiro, pela indústria da moda, e
mente quem diz que quer ficar bonita "para ela mesma". Pois sim.
As mulheres fazem tudo para ficarem desejáveis para um homem em
particular ou para todos em geral, e
se conseguem um dia ter certeza da
estabilidade no amor, ai do outro.
Feliz ou infelizmente, as pessoas
que mais nos amam são as que tratamos com mais displicência. Tratamos assim nossos pais, e assim nos
tratam nossos filhos, pela certeza
desse amor eterno e incondicional.
Não é justo que seja assim, mas
desde quando a vida é justa?
danuza.leao@uol.com.br
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