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100 anos imigração japonesa
Ex-kamikaze conta como refez a sua vida no Brasil
Salvo pela falta de aviões, Akira Fukuma levou bronca da mãe por não ter morrido
Aos 88, japonês anda 9 km todos os dias e é conhecido em Santos, onde vive em uma clínica, como "o velhinho que bate tudo a pé"
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS (SP)
Aos 88 anos, Akira Fukuma
enxerga pouco, ouve menos
ainda, mas mantém uma lucidez que o faz lembrar de detalhes das batalhas da 2ª Guerra e
do sonho de voar. Foi piloto kamikaze da Força Aérea japonesa, mas, por falta de aviões, não
morreu numa missão suicida.
Era março de 1945, o conflito
chegava ao fim para Alemanha
e Itália, duas forças do Eixo. Na
Ásia, o Japão resistia, mesmo
com o Exército sucateado. Em
Hiroshima, cem pilotos da Marinha eram escolhidos como
kamikaze. Em uniforme militar, Fukuma está no grupo (ele
mostra fotos). "Fiquei contente
porque iria dar a vida pela pátria. Não tinha o menor medo."
Em 15 de agosto de 1945, nove dias depois do lançamento
da bomba atômica sobre
Hiroshima e seis dias após Nagasaki, Fukuma está na base aérea de Oita, pronto para voar,
matar e morrer.
O caça Zero que pilotava, o
modelo de avião mais usado pelos kamikazes, estava prestes a
decolar, só com combustível de
ida e 250 kg de explosivos e
bombas para afundar um navio
qualquer da frota americana.
Mas veio a ordem do imperador Hirohito para rendição do
Japão, e o que seria o gesto de
patriotismo, orgulho e heroísmo convertia-se em vergonha,
tristeza e raiva. Ele chora.
Quando soube que não completaria a missão, Fukuma pilotou o caça de volta para casa.
Antes, sobrevoou Hiroshima,
sua terra natal. "Vi uma coluna
de fumaça que pensava ser os
restos da "little boy" [nome dado pelos americanos à bomba
atômica]. A fuligem que cobria
a cidade eram os corpos sendo
cremados", lembra Fukuma,
que não perdeu ninguém da família porque o pai era oficial do
Exército e não estava com mulher e filhos na cidade. Ao chegar em casa, em vez de um abraço, Fukuma recebe uma bronca
da mãe. "Ela disse: "Seu sem-vergonha, por que voltou vivo?'". Aos 25 anos, o ex-piloto
passou a ter fastio, insônia e sofrer de descontentamento.
Em 1958, agora com mulher e
filho, teve a idéia de imigrar ao
Brasil. "Gostava de aventuras.
Queria mudar de vida e de lugar. Não quis ganhar dinheiro."
Mas não tinha a força de trabalho (o número mínimo de familiares) exigida pelo governo
brasileiro para trabalhar na roça. Veio no navio América Maru para Buenos Aires (foram 60
dias ao mar) e entrou clandestinamente no Brasil pela fronteira do Paraguai.
Refez a vida numa fábrica de
cerâmica na Lapa (zona oeste
de SP). Trabalhou no plantio de
verduras em Itapecerica da
Serra (Grande SP), foi operador
de cinema em Bastos (536 km
da capital paulista) e professor
de japonês na colônia de Dois
Irmãos, próxima de Campo
Grande. Lá, teve problemas
com o álcool. Melhor dizer:
com a cachaça, que bebia pura e
lhe trouxe danos ao fígado.
Até hoje não fala português.
Mulher e filho morreram. Ela
dormindo, ele de leucemia.
Mas pede para não falar sobre o
assunto, "que lhe dói a alma".
Interno num lar geriátrico de
Santos, Akira Fukuma é miúdo.
Pequeno no seu 1,60 m já curvo
e com 47 kg, ele grita para ouvir
a própria voz.
Acorda todos os dias às 4h,
varre o pátio, corta legumes para os colegas e anda 9 km pela
orla de Santos, onde é conhecido como "o velhinho que bate
tudo a pé". "No Japão, eu era
maratonista e fui sete vezes
campeão de esqui. As pessoas
adoecem porque não andam.
Meus colegas de quarto só sabem dormir", afirma.
Fukuma ganha um salário
mínimo de aposentadoria do
INSS, dos quais 80% vão para
manutenção do lar geriátrico.
Os 20% que restam ele gasta
com plantas e flores.
Ex-tenente, Fukuma diz que
ainda sabe pilotar o caça Zero e
tem vontade de voar. Mas nunca viajou em aviões modernos
como um Boeing ou um Airbus.
Nem nunca voltou ao Japão.
Ataques
A idéia de um ataque suicida
como estratégia militar é atribuída ao almirante japonês Takijiro Onishi. Não há registros
precisos, mas estima-se que entre 2.000 e 4.000 pilotos kamikazes morreram em ataques.
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