São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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FOVEST

AJUDA DO ALÉM

Rituais podem até ajudar, mas não fazem milagre

PROCURAR AJUDA SOBRENATURAL PODE SER BOM PARA DAR CONFIANÇA, MAS PREPARAÇÃO NÃO EXCLUI O ESTUDO

André Sarmento/Folha Imagem
NÃO BEBERÁS Julia Kaneto Oliverio, 17, que parou de tomar refrigerante desde o início do ano e só voltará depois que for aprovada

ANDRÉ NICOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem estudar, não há milagre. Pedir ajuda para entidades de outro mundo e não se esforçar não é suficiente para ser aprovado no vestibular, segundo dizem os próprios religiosos.
Flávia de Jesus Andrade, 19, por exemplo, fez uma promessa no ano passado para são Judas Tadeu e santo Expedito na véspera da prova da Fuvest. Caso fosse aprovada, ela iria imprimir folhetos dos santos e doaria brinquedos para crianças carentes, mas acabou não sendo aprovada para jornalismo. "Faltou empenho de minha parte", disse ela, que fará a promessa novamente este ano.
"A melhor coisa é estudar. Se você se esforçou o bastante durante o ano, já é o suficiente", disse o padre Augusto César Pereira, da igreja de São Judas Tadeu, em São Paulo. Ele é autor de um livro sobre o santo, que é um dos preferidos dos vestibulandos.
O padre não incentiva os estudantes a fazerem promessas e diz que a prática não é uma atitude verdadeiramente religiosa. "Isso faz parte da tradição de esperar que tudo seja entregue pronto por outra pessoa e não se esforçar para obter o que se deseja. Se quiser fazer um ato religioso, depois que passar, em vez de ir para a farra com os amigos, faça um ato de solidariedade", afirmou o padre.

"Barganha"
O professor de teologia da PUC-SP Fernando Altmeyer Júnior também não incentiva os vestibulandos a fazerem promessas, que ele chama de "barganha e contrato". "É melhor estudar. Quem sabe as matérias não precisa da muleta do santo na hora da prova", disse ele, que escreveu um livro sobre as promessas feitas a Nossa Senhora Aparecida.
Fazer promessa ou fazer pedido para o sobrenatural, entretanto, pode ser bom para diminuir a ansiedade do aluno, o nervosismo e evitar os brancos na memória. "A pessoa em uma situação de estresse se sente mais protegida, pois imagina que está acompanhada na hora da prova. Isso dá mais força para ela", disse Denise Gimenez Ramos, professora titular de psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
Renata Rodrigues Acay, em 2000, quando estava no cursinho, resolveu fazer uma promessa para santo Expedito. Se conseguisse ser aprovada, iria andar da sua casa, na serra da Cantareira (zona norte de São Paulo), até a igreja do santo, perto da estação Tiradentes de metrô, na região central -um trajeto de cerca de dez quilômetros. Ela demorou cerca de três horas para cumprir o trajeto e voltou para sua casa de metrô.
"Durante a prova, pensava que tinha feito a promessa e que conseguiria ser aprovada", disse ela, que hoje está no segundo ano de odontologia na USP (Universidade de São Paulo).

Pagar antes
Até mesmo pessoas que não freqüentam regularmente a igreja ou que não são católicas fazem promessa na hora de passar no vestibular e, outras, como Julia Kaneto Oliverio, 17, começam a pagar antes mesmo de serem aprovadas.
Ela, que diz ir apenas esporadicamente à igreja, parou de beber refrigerante desde o começo do ano e afirma que só voltará depois de passar no vestibular. "Vou prestar medicina, então, preciso de toda a ajuda possível", disse.
Já Joice Pereira da Silva, 19, disse não ter nenhuma religião, mas prometeu raspar o cabelo caso consiga uma vaga em engenharia. "Nem batizada eu sou, mas acho que isso irá me estimular", disse.
Segundo o professor de psicologia da religião da USP, Geraldo José de Paiva, a insegurança em situações de grande tensão pode ser uma das explicações para o fato de pessoas não religiosas procurarem ajuda do sobrenatural. "O instinto de sobrevivência faz com que as pessoas se agarrem ao que aparecer, e nossa sociedade é rica em opções de religiões e seitas."
Ele compara a situação com casos de cientistas que quando ficam doentes de câncer, utilizam remédios naturais sem comprovação científica. "Quando a situação acalma, a pessoa geralmente retorna a sua condição original em relação à religião."

Candomblé
A ialorixá (mãe-de-santo) Sílvia de Oxalá diz que sua religião também não funciona se não houver empenho por parte do vestibulando. "A gente não faz mágica, tem de estudar. O que nós podemos fazer é dar mais equilíbrio para a pessoa fazer a prova", disse ela, que prefere manter segredo sobre como faz o atendimento a quem a procura.
Segundo suas contas, no ano passado, seu terreiro -um dos maiores da cidade de São Paulo- recebeu mais de mil vestibulandos procurando ajuda, muitos deles vindos de outras religiões.
"É normal pessoas procurarem religiões mais distantes de sua experiência cotidiana. Como elas as conhecem menos, pensam que possuem mais força e que funcionarão melhor", disse a professora Denise, da PUC-SP.
Para Paiva, da USP, outra explicação para o fato seria uma "infantilidade" religiosa de alguns indivíduos. "As pessoas podem ser criadas em uma determinada religião, mas não dar continuidade nela. Elas não acompanham os problemas religiosos ao longo de seu desenvolvimento pessoal, ficando mais sujeitas a usar recursos de outras religiões."



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