São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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DISTÚRBIO

Pesquisa em São Paulo aponta tensão e exercício da autoridade como principais causas de problemas psicológicos

Doença mental afasta 50% dos funcionários da Febem

RODRIGO ROSSI
FREE-LANCE PARA A FOLHA CAMPINAS

Uma pesquisa feita por médicos do Cerest (Centro de Referência de Saúde do Trabalhador) de São Paulo aponta que 50% dos afastamentos de funcionários da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) foram motivados por problemas psicológicos adquiridos no serviço.
No estudo inédito, iniciado no final de 2003 e que deve ser concluído em dois meses, foram levantados os dados relacionados aos afastamentos do trabalho motivados por problemas de saúde no período de 1998 a 2002.
No total, ocorreram 1.941 afastamentos de funcionários, sendo 1.681 com motivo diagnosticado. Do total, 848 licenças foram provocadas por doenças mentais adquiridas no contato diário com um ambiente tenso e com a coação dos menores infratores.
Em Campinas, 8 dos 144 funcionários se encontram afastados do serviço nas duas unidades locais -Jequitibás e Amazonas. Há duas semanas, as duas unidades passaram por rebeliões. Nos motins, dez funcionários foram feitos reféns dos adolescentes. Pelo menos quatro saíram feridos.
Um funcionário teve o braço quebrado após apanhar com uma barra de ferro. Outro teve o corpo encharcado de álcool. Os internos ameaçavam atear fogo no corpo dele. Uma funcionária recebeu ameaças de morte.
De acordo com a Febem, dos cerca de 8.000 funcionários que atuam nas 77 unidades do Estado, 10% estão afastados por doenças.
Para os pesquisadores, esses valores poderiam ser ainda maiores se fossem considerados outros diagnósticos de doenças cardíacas e digestivas, que, embora não estejam no capítulo das enfermidades mentais, podem ter relação direta com o ambiente tenso.
Segundo a pesquisa, entre os 29 diagnósticos de doenças psicológicas mais freqüentes em funcionários afastados da Febem estão os episódios depressivos (416 casos), os transtornos ansiosos (151) e as reações ao estresse (132).
A psicóloga Patrícia Helena Marques, 28, também responsável pela pesquisa, diz que a falta de treinamento e o convívio com situações de contenção e intimidação são as principais causas.

Medo e repressão
Funcionários da Febem, diz ela, convivem com o exercício da autoridade e o medo e a apreensão. A combinação, aliada à falta de pessoal adequado para lidar com a superlotação, gera ansiedade e distúrbios de personalidade.
"Os funcionários são levados ao desgaste constante e ao estresse pró-traumático gerados por situações de ameaças de rebelião."
Para a Febem, os funcionários são treinados. Cerca de 6.500 jovens estão internados. A maioria das unidades está superlotada.
O funcionário João (nome fictício), afastado de uma unidade de Campinas após ser vítima em uma rebelião, diz que trabalhar na Febem é imprevisível. "Chego tenso ao trabalho. Volto para casa tenso, com medo. Os internos mantêm muitos contatos na rua."
O médico do Cerest José Carlos do Carmo, responsável pela pesquisa, disse que o objetivo é mapear as situações críticas da instituição para buscar alternativas que reduzam as doenças mentais.
A Febem considerou real e alto o índice apontado pela pesquisa e informou que pretende aumentar o rigor nos critérios para conceder afastamentos médicos.


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