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Relatório é carregado de adjetivos contra casal
Documento usa termos como "débil" e "tosca" ao falar sobre a versão da defesa
Prática é comum em outros inquéritos; de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, porém, texto deveria se ater a simples relato
DA REPORTAGEM LOCAL
"Um ato inclassificável, covarde, demonstrando a maldade e o desprezo à vida humana,
de ambos os indiciados." A delegada Renata Pontes (9º DP)
usa adjetivos como esses para
se referir ao casal Nardoni, tanto no relatório sobre o inquérito do assassinato de Isabella como no pedido de prisão preventiva para Alexandre Nardoni e
sua mulher, Anna Carolina
Trotta Jatobá.
Sobre a versão inicial apresentada pelo casal -de que um
invasor teria entrado no apartamento, tentado asfixiar Isabella, cortado a tela de proteção
da janela e atirado a menina enquanto os dois estavam na garagem-, a delegada escreveu:
"Os indiciados apresentaram
uma versão tosca, primária, inconsistente, débil, quiçá plausível face à capacidade intelectual deles próprios. Mantiveram a mentira de forma dissimulada, desprezando o bom
senso e discernimento de todos, mesmo que a eles não se
nivelem, tentando, por derradeiro, desqualificar profissionais, desqualificar provas, e até
leis da física, para permanecerem impunes, alheios aos sentimentos daqueles que verdadeiramente amaram Isabella (...)".
Segundo o relatório, "para
poderem gozar da boa vida,
sempre patrocinada pelo generoso e protetor pai e sogro, Antonio Nardoni, cujo dinheiro, é
certo, nunca será o bastante para lhes comprar hombridade".
Vítima
O relatório final da polícia sobre o inquérito também afirma
que Nardoni e Anna Carolina
tentaram envolver o porteiro
do prédio, Valdomiro da Silva
Veloso, no assassinato de Isabella. O documento diz que o
casal desceu ao térreo "encenando diante de todos os moradores e policiais, passando-se
eles por vítimas". Os dois teriam então tentado convencer
o funcionário a subir ao apartamento, cenário do crime.
Depois dessa afirmação, a delegada dá a entender que o objetivo do convite seria incriminar o porteiro, quem ela classifica como "uma pessoa humilde". "O que [os suspeitos] não
seriam capazes de insinuar ao
ser revelado que o porteiro estivera dentro do apartamento
deles?", diz o relatório.
Na passagem seguinte, Renata afirma que Nardoni permaneceu por 24 horas na delegacia, após o crime, "somente interessado em convencer a todos sobre a presença de um ladrão, não hesitando em imputar a autoria do crime a outras
pessoas (...), não demonstrando
abatimento pela morte da
criança, remorso do que acabara de fazer, sustentando uma
farsa, de maneira obstinada, o
que nos faz acreditar ser ele capaz de tudo para se esquivar
das conseqüências legais do crime praticado".
A reportagem apurou que esse tipo de adjetivação não é incomum em relatórios da polícia. Uma promotora e um delegado ouvidos pela Folha disseram, porém, que em sua opinião a autoridade policial deve
ater-se apenas a relatar o que
está nos autos, ou seja, resumir
depoimentos, provas e laudos,
sem emitir opiniões.
Eles disseram, no entanto,
que não há nada na lei que
proíba essa prática.
O delegado Roberto Calaça
Vieira, do 91º DP (Ceasa), afirmou que "só pode constar o
que está nos autos. Não pode
emitir opinião com juízo de valor". Para a promotora Ana Lúcia Menezes Vieira, o delegado
só pode emitir juízo de valor no
pedido de prisão, e não no relatório do inquérito.
"No relatório, a última peça
do encerramento do inquérito,
a autoridade policial tem que
se limitar a relatar o que foi colhido", disse o advogado Luiz
Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB-SP, anteontem,
sem saber sobre o relatório.
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