São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2008

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Relatório é carregado de adjetivos contra casal

Documento usa termos como "débil" e "tosca" ao falar sobre a versão da defesa

Prática é comum em outros inquéritos; de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, porém, texto deveria se ater a simples relato

DA REPORTAGEM LOCAL

"Um ato inclassificável, covarde, demonstrando a maldade e o desprezo à vida humana, de ambos os indiciados." A delegada Renata Pontes (9º DP) usa adjetivos como esses para se referir ao casal Nardoni, tanto no relatório sobre o inquérito do assassinato de Isabella como no pedido de prisão preventiva para Alexandre Nardoni e sua mulher, Anna Carolina Trotta Jatobá.
Sobre a versão inicial apresentada pelo casal -de que um invasor teria entrado no apartamento, tentado asfixiar Isabella, cortado a tela de proteção da janela e atirado a menina enquanto os dois estavam na garagem-, a delegada escreveu:
"Os indiciados apresentaram uma versão tosca, primária, inconsistente, débil, quiçá plausível face à capacidade intelectual deles próprios. Mantiveram a mentira de forma dissimulada, desprezando o bom senso e discernimento de todos, mesmo que a eles não se nivelem, tentando, por derradeiro, desqualificar profissionais, desqualificar provas, e até leis da física, para permanecerem impunes, alheios aos sentimentos daqueles que verdadeiramente amaram Isabella (...)".
Segundo o relatório, "para poderem gozar da boa vida, sempre patrocinada pelo generoso e protetor pai e sogro, Antonio Nardoni, cujo dinheiro, é certo, nunca será o bastante para lhes comprar hombridade".

Vítima
O relatório final da polícia sobre o inquérito também afirma que Nardoni e Anna Carolina tentaram envolver o porteiro do prédio, Valdomiro da Silva Veloso, no assassinato de Isabella. O documento diz que o casal desceu ao térreo "encenando diante de todos os moradores e policiais, passando-se eles por vítimas". Os dois teriam então tentado convencer o funcionário a subir ao apartamento, cenário do crime.
Depois dessa afirmação, a delegada dá a entender que o objetivo do convite seria incriminar o porteiro, quem ela classifica como "uma pessoa humilde". "O que [os suspeitos] não seriam capazes de insinuar ao ser revelado que o porteiro estivera dentro do apartamento deles?", diz o relatório.
Na passagem seguinte, Renata afirma que Nardoni permaneceu por 24 horas na delegacia, após o crime, "somente interessado em convencer a todos sobre a presença de um ladrão, não hesitando em imputar a autoria do crime a outras pessoas (...), não demonstrando abatimento pela morte da criança, remorso do que acabara de fazer, sustentando uma farsa, de maneira obstinada, o que nos faz acreditar ser ele capaz de tudo para se esquivar das conseqüências legais do crime praticado".
A reportagem apurou que esse tipo de adjetivação não é incomum em relatórios da polícia. Uma promotora e um delegado ouvidos pela Folha disseram, porém, que em sua opinião a autoridade policial deve ater-se apenas a relatar o que está nos autos, ou seja, resumir depoimentos, provas e laudos, sem emitir opiniões.
Eles disseram, no entanto, que não há nada na lei que proíba essa prática.
O delegado Roberto Calaça Vieira, do 91º DP (Ceasa), afirmou que "só pode constar o que está nos autos. Não pode emitir opinião com juízo de valor". Para a promotora Ana Lúcia Menezes Vieira, o delegado só pode emitir juízo de valor no pedido de prisão, e não no relatório do inquérito.
"No relatório, a última peça do encerramento do inquérito, a autoridade policial tem que se limitar a relatar o que foi colhido", disse o advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB-SP, anteontem, sem saber sobre o relatório.


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