São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Motorista dribla lei e ignora CNH no Nordeste

Cidade no interior nordestino chega a ter quase 5.000 veículos para apenas 44 Carteiras Nacionais de Habilitação registradas

Para autoridades da gestão do trânsito, a situação é agravada por fatores como falta de fiscalização e custo para tirar uma habilitação


Valter Pontes/Coperphoto
O agricultor José Irandi dos Santos, que não tem CNH e trocou o cavalo pela moto para conseguir trabalhar e levar os filhos à escola

MATHEUS MAGENTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CIPÓ E PARIPIRANGA (BA)

Com o dinheiro da venda de um burro e de um jegue, há um ano, o agricultor Hamilton dos Santos, 45, tinha duas opções: começar o consórcio de uma motocicleta ou pagar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação). "Ou uma coisa ou outra", argumentou.
Os cálculos foram feitos na ponta do lápis, incluindo gastos com a alimentação da mulher e de dois filhos. "Agora, só deve sobrar dinheiro para tirar a habilitação em 2014."
O caso de Santos ilustra bem uma história comum na região Nordeste: o número de motoristas dirigindo, principalmente motos, sem habilitação agravou-se nos últimos anos em razão de crédito farto e aumento do poder de compra dos brasileiros com menor renda.
A Folha visitou localidades como Paripiranga (BA), na divisa com Sergipe, onde o Detran-BA contabiliza 44 motoristas habilitados e 4.929 veículos (proporção de uma CNH para 112 veículos). Na vizinha Adustina (BA), a proporção é de 1 para 39. No Ceará, ao menos 15 municípios têm cinco vezes ou mais veículos do que condutores que possuem a CNH.
"Essas estatísticas comprovam, mesmo com algumas distorções, uma situação absurda e comum no interior da região Nordeste", afirmou Jorge Assis, coordenador do setor de habilitação do Detran-BA.
Para autoridades da gestão do trânsito no Nordeste, a situação é agravada por fatores como falta de fiscalização, custo para tirar uma habilitação e a baixa quantidade de municípios onde se emite CNH.
O crédito farto oferecido ao consumidor da região também explica a desproporção. Novamente o agricultor ajuda a entender o problema.
Enquanto Hamilton dos Santos paga 72 prestações de R$ 129 (cerca de R$ 7.200) pela moto, o custo da CNH é de quase R$ 1.000 de uma só vez, segundo o agricultor, que mora na zona rural de Cipó (BA) -onde a proporção é até "baixa": um habilitado para 2,9 veículos.
No Brasil, o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) registrou 54,5 milhões de veículos e 45,3 milhões de condutores habilitados, em 2008 (1/1,2). No Estado de São Paulo, a proporção é de uma CNH para cada 1,16 veículo.
Segundo nota do órgão, "a aquisição de veículos não está relacionada a carteira de habilitação". "Independentemente de possuir a CNH, o cidadão pode ter veículos registrados em seu nome, assim como as pessoas jurídicas também."
A 100 km de Paripiranga, em Ribeira do Pombal (BA), José Irandi dos Santos, 30, não tem CNH (por falta de dinheiro e tempo), mas trocou o cavalo pela moto para conseguir trabalhar e levar os filhos a escola, após a morte da mulher.
O "cowboy motorizado" também usa a moto para pastorear o gado no pasto. A troca do cavalo pelo veículo aconteceu também porque ele não gosta de "judiar dos bichinhos, que ficam exaustos nessas tarefas".
"Eu coloco R$ 10 de gasolina, rodo a semana todinha trabalhando. Enquanto isso, o bicho tá lá sossegado, na sombra, comendo e descansando", disse. O professor José de Abreu de Albuquerque, 23, dirige moto desde os 15 anos, mas até hoje sem carteira de habilitação, pois não tem condições financeiras. Ele não é exceção na cidade onde mora, Martinópole, nem no interior do Ceará.
O Detran-CE estima que existam cerca de 300 mil pessoas dirigindo sem CNH no Estado, que criou um programa para emitir o documento gratuitamente para pessoas carentes.

Colaborou PAOLA VASCONCELOS

Veja vídeo dos "sem-CNH"

www.folha.com.br/1012019



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