São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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JUSTIÇA

Decisão, que depende de confirmação no plenário do tribunal, permite interrupção de gravidez quando houver malformação

STF libera aborto em caso de anencefalia

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio de Mello liberou, por liminar, a interrupção de gravidez quando houver laudo médico atestando a anencefalia do feto, independentemente de a mulher dispor de ordem judicial para o caso específico. A decisão provisória vale para todo o país.
A anencefalia é a ausência de um hemisfério cerebral ou de ambos, o que impede a sobrevivência fora do útero.
O ministro também determinou a suspensão de todos os processos criminais contra mulheres acusadas de aborto e contra profissionais de saúde acusados de provocar aborto nesses casos.
A liminar foi concedida em ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, da qual Marco Aurélio é o relator. A decisão deverá vigorar, pelo menos, por um mês, até que o plenário do STF julgue o mérito da causa. Isso só ocorrerá a partir de agosto, porque os tribunais estão em recesso em julho.
No mérito, os 11 ministros do STF irão derrubar a liminar ou reconhecer, em definitivo, que a interrupção da gravidez no caso de anencefalia não implica a prática de aborto, liberando-a.
O Código Penal, de 1940, inclui o aborto entre os crimes contra a vida e só admite duas exceções: risco de morte da mulher e gravidez resultante de estupro. A mulher pode ser condenada a até três anos de prisão. O profissional de saúde, a até quatro.
Para que o STF confirme a terceira hipótese de aborto, bastam seis votos. Além de Marco Aurélio, os ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto já disseram ser a favor.
Os três ministros fizeram questão de expor essa posição no julgamento do habeas corpus de uma mulher do Rio de Janeiro que queria interromper a gravidez por anencefalia do feto, mas enfrentou um vaivém de decisões conflitantes.
Esse processo só chegou ao plenário do STF cinco dias depois do nascimento da criança, que viveu apenas sete minutos. Como não havia mais gestação, o processo foi declarado extinto, sem julgamento da questão em si.

Antecedentes
Nos tribunais de primeira instância, é amplamente reconhecido o direito à interrupção da gravidez quando há anencefalia.
Na decisão de ontem, Marco Aurélio descreveu detalhadamente o processo da mulher do Rio de Janeiro porque o considerou um exemplo de constrangimento a que a gestante está sujeita em razão de divergências entre juízes sobre o tema. Para ele, isso gera insegurança e descrédito no Judiciário, além de "angústia e sofrimento ímpares" na pessoa que busca a decisão judicial.
Para o ministro, há vários princípios constitucionais em jogo. "A um só tempo, cuida-se dos direitos à saúde, à liberdade e à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana."
A interrupção da gravidez no caso de anencefalia, segundo o ministro, não implica aborto, pois não há chance de vida após o nascimento. Por isso, ele considerou um direito constitucional da gestante "submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade".
Marco Aurélio disse que chegou a submeter a ação ao plenário, no último dia 24, e que decidiu examinar o pedido de liminar porque a causa não foi apreciada.


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