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COMENTÁRIO
Livro conta 80 anos do Hospital Sírio-Libanês
GILBERTO DIMENSTEIN
DO CONSELHO EDITORIAL
Depois de 20
anos arrecadando recursos, os equipamentos médicos já estavam
chegando e já
se preparava a
inauguração do hospital naquele
terreno, de 17 mil metros quadrados, nas proximidades da avenida
Paulista, que fora adquirido, em
1923, por 350 mil contos de réis.
Antes mesmo de receber qualquer paciente, aquele prédio criado para salvar vidas foi confiscado e transformado num centro
para treinar pessoas para matar.
O projetado Hospital Sírio-Libanês passou a abrigar uma escola
de cadetes.
Um grupo de senhoras, lideradas por Adma Jafet, encabeçou
uma articulação nos bastidores da
política federal e estadual para
sensibilizar mulheres de personagens oficiais. Em 1943, o grupo comemorava sua primeira vitória:
um decreto de devolução do hospital. Essa decisão, entretanto, demoraria muito tempo para sair do
papel -isso só veio a ocorrer em
1959, quando Adma, personagem
central da mobilização na comunidade sírio-libanesa, já tinha
morrido.
O terceiro setor e o voluntariado
crescem rapidamente no país,
cercados, em muitos segmentos,
pela moda ou pelo chamado marketing social. A experiência de
Adma Jafet, depois continuada
por sua filha Violeta e retratada
no livro comemorativo intitulado
"Hospital Sírio-Libanês", é um
notável caso de engenhosidade
comunitária, cujo início se deu
em 1921.
O livro aborda a história de um
grupo de 27 mulheres que, convidadas por Adma, que estudara na
escola russa de Beirute e chegou a
uma São Paulo povoada de estrangeiros, decidiram construir
um hospital, que, com o tempo,
iria transformar-se numa referência respeitada mundialmente.
Adma viu que ingleses, alemães,
italianos e seus descendentes tinham erguido hospitais. "A primeira instituição, cuja fundação
se impunha em caráter urgente,
era a de um hospital que atendesse a todas as classes sociais", escreveu ela.
O projeto ganhou impulso, de
um lado, porque os imigrantes libaneses e sírios enriqueciam
-alguns deles foram morar na
aristocrática avenida Paulista, ao
lado dos barões do café- e, de
outro -fato pouco conhecido na
história da cidade- porque chegavam a São Paulo médicos formados na Universidade Americana de Beirute.
A excelência do hospital se deve,
em grande parte, a um dos filhos
de imigrantes libaneses, Daher
Cutait, formado pela Faculdade
de Medicina da Universidade de
São Paulo. Teve uma formação
rara em sua época: fez estágios em
hospitais de ponta dos Estados
Unidos, entre os quais o da Universidade de Columbia, em Nova
York. De volta ao Brasil, atuou como cirurgião no Hospital das Clínicas e como professor na USP.
Daher trouxe para o hospital o
espírito acadêmico ao criar o Centro de Estudos e Pesquisas (Cepe).
A partir daí, montaram-se programas de intercâmbio com centros de excelência no mundo como a Harvard Medical School ou
o Memorial Sloan Kettering Cancer Center de Nova York. No ano
passado, inaugurou-se um centro
apenas para programas de pós-graduação no Sírio-Libanês.
Tudo isso só foi possível porque, no remoto novembro de
1921, um grupo de mulheres acreditou no poder que elas tinham
para melhorar sua comunidade
-essa é uma tecnologia de intervenção comunitária que merece
estudos.
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