São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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COMENTÁRIO

Livro conta 80 anos do Hospital Sírio-Libanês

GILBERTO DIMENSTEIN
DO CONSELHO EDITORIAL

Depois de 20 anos arrecadando recursos, os equipamentos médicos já estavam chegando e já se preparava a inauguração do hospital naquele terreno, de 17 mil metros quadrados, nas proximidades da avenida Paulista, que fora adquirido, em 1923, por 350 mil contos de réis. Antes mesmo de receber qualquer paciente, aquele prédio criado para salvar vidas foi confiscado e transformado num centro para treinar pessoas para matar. O projetado Hospital Sírio-Libanês passou a abrigar uma escola de cadetes.
Um grupo de senhoras, lideradas por Adma Jafet, encabeçou uma articulação nos bastidores da política federal e estadual para sensibilizar mulheres de personagens oficiais. Em 1943, o grupo comemorava sua primeira vitória: um decreto de devolução do hospital. Essa decisão, entretanto, demoraria muito tempo para sair do papel -isso só veio a ocorrer em 1959, quando Adma, personagem central da mobilização na comunidade sírio-libanesa, já tinha morrido.
O terceiro setor e o voluntariado crescem rapidamente no país, cercados, em muitos segmentos, pela moda ou pelo chamado marketing social. A experiência de Adma Jafet, depois continuada por sua filha Violeta e retratada no livro comemorativo intitulado "Hospital Sírio-Libanês", é um notável caso de engenhosidade comunitária, cujo início se deu em 1921.
O livro aborda a história de um grupo de 27 mulheres que, convidadas por Adma, que estudara na escola russa de Beirute e chegou a uma São Paulo povoada de estrangeiros, decidiram construir um hospital, que, com o tempo, iria transformar-se numa referência respeitada mundialmente.
Adma viu que ingleses, alemães, italianos e seus descendentes tinham erguido hospitais. "A primeira instituição, cuja fundação se impunha em caráter urgente, era a de um hospital que atendesse a todas as classes sociais", escreveu ela.
O projeto ganhou impulso, de um lado, porque os imigrantes libaneses e sírios enriqueciam -alguns deles foram morar na aristocrática avenida Paulista, ao lado dos barões do café- e, de outro -fato pouco conhecido na história da cidade- porque chegavam a São Paulo médicos formados na Universidade Americana de Beirute.
A excelência do hospital se deve, em grande parte, a um dos filhos de imigrantes libaneses, Daher Cutait, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Teve uma formação rara em sua época: fez estágios em hospitais de ponta dos Estados Unidos, entre os quais o da Universidade de Columbia, em Nova York. De volta ao Brasil, atuou como cirurgião no Hospital das Clínicas e como professor na USP.
Daher trouxe para o hospital o espírito acadêmico ao criar o Centro de Estudos e Pesquisas (Cepe). A partir daí, montaram-se programas de intercâmbio com centros de excelência no mundo como a Harvard Medical School ou o Memorial Sloan Kettering Cancer Center de Nova York. No ano passado, inaugurou-se um centro apenas para programas de pós-graduação no Sírio-Libanês.
Tudo isso só foi possível porque, no remoto novembro de 1921, um grupo de mulheres acreditou no poder que elas tinham para melhorar sua comunidade -essa é uma tecnologia de intervenção comunitária que merece estudos.


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