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LETRAS JURÍDICAS
Modos de realizar ciência com bioética
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Na segunda metade do século 20, os seres humanos
foram atingidos por uma espécie
de tsunami científico que nos afogou a todos, destruindo preceitos
tidos por definitivos, abrindo novos caminhos do conhecimento
tecnológico, físico, químico e biológico. O direito não ficou imune
às transformações e, de par com a
preocupação ética, os estudiosos
querem definir os efeitos sofridos
e por sofrer, bem como se situar
diante deles.
Esta Folha noticiou, durante a
semana, a preocupação com o aumento de casos de gravidez múltipla, quando aplicada a reprodução assistida. É um dos efeitos do
tsunami. A bioética se preocupa
com os seres vivos e hoje atenta
até para a preservação (eternização?) de seus restos depois de
mortos e com o aproveitamento
de partes de seus corpos, o direito
de uso de tais partes e assim por
diante.
O direito e a ética devem preservar valores sociais e individuais.
Nestes prepondera a autonomia
da vontade de cada um ou a preocupação das vantagens sociais
advindas da ciência? A autonomia da vontade, respeitados os
direitos em confronto, assegurada
como direito fundamental pela
nova Constituição, pode ser afastada pela vantagem coletiva? As
duas perguntas servem de exemplo também para futuras questões, como a que se anuncia com o
desenvolvimento artificial de embriões, para criar partes novas de
seres parciais, utilizável na cura
ou na recomposição de membros
atingidos.
Em cada alternativa considerada entram os personagens principais: os desejosos de soluções para
seus males e os criadores de novos
processos e métodos de cura. Nesse campo as facções devem considerar o contraste entre o benefício
visado e o uso da ciência (lembremos as experiências do nazismo),
entre os providos de recursos materiais e os desamparados, com o
pensamento voltado para a justiça, entre os que querem avanços a
todo custo e os que meditam responsavelmente sobre efeitos
transcendentes da pura ciência,
no respeito das convicções éticas,
religiosas e de convivência.
No atropelo das transformações, na poeira erguida pelas mudanças, o direito, com sua lentidão, não é a resposta. Os valores
morais, por lhes faltar a força
coercitiva da lei, dependem do
reiterado debate, pela cidadania.
O moderno é bom, mas nem sempre, quando acolhido sem adequada avaliação, sem a apropriada reflexão sobre suas resultantes.
A ética e, neste caso, em especial
a bioética são fundamentais para
a humanidade. A idéia aqui
enunciada não é apenas, digamos
assim, filosófica, desligada da
prática. A tarefa de avançar para
o progresso é útil, imprescindível
para o futuro. Todavia, os preceitos da bioética, em que os valores
simbolizados pelos contrastes antes indicados, terminará produzindo seus frutos na área do direito. Será forma certa de permitir a
todos, ou pelo menos à maioria, a
compreensão integral do que
acontece e dos modos e limites de
preservar tanto a autonomia da
vontade quanto a consciência da
função social.
A afirmação das convicções éticas, ao mesmo tempo em que se
afirmem as novas conquistas da
ciência, se somarão para que a
elaboração jurídica seja melhor e
mais justa. A bioética é preliminar no caminho do jurídico. Num
país cuja Constituição preserva os
direitos humanos e afirma a inviolabilidade de valores fundamentais, não há outro caminho.
Idealmente cada ser humano
deve compreender os limites desejáveis, sem se deixar enganar pela
convicção do progresso científico
a todo custo. Claro que há assuntos transcendentes da ciência e do
jurídico, como o ocorrente com a
clonação de seres vivos, proibida
em nosso país.
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