São Paulo, sábado, 02 de julho de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Modos de realizar ciência com bioética

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Na segunda metade do século 20, os seres humanos foram atingidos por uma espécie de tsunami científico que nos afogou a todos, destruindo preceitos tidos por definitivos, abrindo novos caminhos do conhecimento tecnológico, físico, químico e biológico. O direito não ficou imune às transformações e, de par com a preocupação ética, os estudiosos querem definir os efeitos sofridos e por sofrer, bem como se situar diante deles.
Esta Folha noticiou, durante a semana, a preocupação com o aumento de casos de gravidez múltipla, quando aplicada a reprodução assistida. É um dos efeitos do tsunami. A bioética se preocupa com os seres vivos e hoje atenta até para a preservação (eternização?) de seus restos depois de mortos e com o aproveitamento de partes de seus corpos, o direito de uso de tais partes e assim por diante.
O direito e a ética devem preservar valores sociais e individuais. Nestes prepondera a autonomia da vontade de cada um ou a preocupação das vantagens sociais advindas da ciência? A autonomia da vontade, respeitados os direitos em confronto, assegurada como direito fundamental pela nova Constituição, pode ser afastada pela vantagem coletiva? As duas perguntas servem de exemplo também para futuras questões, como a que se anuncia com o desenvolvimento artificial de embriões, para criar partes novas de seres parciais, utilizável na cura ou na recomposição de membros atingidos.
Em cada alternativa considerada entram os personagens principais: os desejosos de soluções para seus males e os criadores de novos processos e métodos de cura. Nesse campo as facções devem considerar o contraste entre o benefício visado e o uso da ciência (lembremos as experiências do nazismo), entre os providos de recursos materiais e os desamparados, com o pensamento voltado para a justiça, entre os que querem avanços a todo custo e os que meditam responsavelmente sobre efeitos transcendentes da pura ciência, no respeito das convicções éticas, religiosas e de convivência.
No atropelo das transformações, na poeira erguida pelas mudanças, o direito, com sua lentidão, não é a resposta. Os valores morais, por lhes faltar a força coercitiva da lei, dependem do reiterado debate, pela cidadania. O moderno é bom, mas nem sempre, quando acolhido sem adequada avaliação, sem a apropriada reflexão sobre suas resultantes.
A ética e, neste caso, em especial a bioética são fundamentais para a humanidade. A idéia aqui enunciada não é apenas, digamos assim, filosófica, desligada da prática. A tarefa de avançar para o progresso é útil, imprescindível para o futuro. Todavia, os preceitos da bioética, em que os valores simbolizados pelos contrastes antes indicados, terminará produzindo seus frutos na área do direito. Será forma certa de permitir a todos, ou pelo menos à maioria, a compreensão integral do que acontece e dos modos e limites de preservar tanto a autonomia da vontade quanto a consciência da função social.
A afirmação das convicções éticas, ao mesmo tempo em que se afirmem as novas conquistas da ciência, se somarão para que a elaboração jurídica seja melhor e mais justa. A bioética é preliminar no caminho do jurídico. Num país cuja Constituição preserva os direitos humanos e afirma a inviolabilidade de valores fundamentais, não há outro caminho.
Idealmente cada ser humano deve compreender os limites desejáveis, sem se deixar enganar pela convicção do progresso científico a todo custo. Claro que há assuntos transcendentes da ciência e do jurídico, como o ocorrente com a clonação de seres vivos, proibida em nosso país.


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