São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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Estátua de santo leva discórdia a Caraguatatuba

Maioria dos católicos é a favor da estátua no morro; evangélicos não acham correto usar verba pública em imagem religiosa

Ibama vetou imagem de 15 m de santo Antônio em área de preservação ambiental

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em nome de Deus, um beato de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, encaminhou um e-mail ao chefe do escritório regional do Ibama, Leonardo Teixeira, avisando-o de que ele iria "ajustar as contas lá em cima", caso insistisse no embargo de uma imagem de santo Antônio instalada no alto de um morro da cidade.
Com 15 metros de altura e aspecto de alegoria de escola de samba, a estátua está no terço superior do morro e, de acordo com o código florestal, em uma área de preservação ambiental.
Candidato à reeleição, o prefeito José Pereira de Aguilar (DEM) havia conseguido autorização do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN) para pavimentar o caminho que leva ao topo do morro, que é o principal ponto turístico da cidade e também local usado por esportistas para saltos de asa delta.
A autorização, contudo, não era extensiva à instalação da imagem, diz Teixeira. Ele afirma que a melhoria do acesso é considerada "obra de utilidade pública". "Não sou contra nem a favor de nenhuma religião, mas defendo a causa ambiental. A obra é irregular, tem de ser embargada."
Na prefeitura, o procurador Cassiano Ricardo da Silva Oliveira apresenta um laudo do DEPRN dizendo que contém autorização para a instalação do santo Antônio. Assinado pelo engenheiro florestal Luciano Gois em 2 de junho, o laudo apenas constata a obra de implantação da imagem.
O DEPRN, através de sua assessoria, afirma que sua função não é autorizar obras como a instalação da imagem, e sim garantir a preservação da vegetação e verificar se há processo de erosão na estrutura do solo.
A promotora Elaine Taborda investiga o caso e vê duas possibilidades em caso de constatação de irregularidade. "Ou a prefeitura remove a imagem ou vamos entrar com uma ação civil pública", diz.

Substituição
Na verdade, já havia uma estátua de santo Antônio no morro, em um local um pouco abaixo da que foi instalada agora. Mas a anterior, segundo informação da prefeitura, foi retirada na década de 80, com a promessa da administração à época de substituí-la por outra.
A promessa é um dos argumentos usados pelo prefeito atual para defender a permanência do santo onde está. Ocorre que, segundo Teixeira, a imagem antiga não tinha mais de dois metros.
Para quem chega de fora, parece curioso que uma imagem de olhos arregalados, cabelos grudados na cabeça e bochechas avantajadas possa causar tamanha polêmica.
Assinada pelo artista plástico Irineu Migliorini, autor de uma estátua da liberdade em Joinville, entre outras obras, a imagem foi inaugurada no dia 13 de junho, data do santo padroeiro da cidade. A maioria dos católicos está do lado do prefeito; os evangélicos, que são 20% da população de 80 mil habitantes, não acham correto usar verba pública para erigir uma imagem religiosa.
O pároco Marcos Vinícius Rosa desafia quem queira remover a estátua dali. "Quero ver quem vai tirar o santo Antônio do morro." Ele afirma que "há mais de 15 anos a população pedia um Santo Antônio ali".
Já o pastor evangélico Waldir Carvalho diz que "quem mexe com religião tem que agradar a todos". Para Carvalho, o prefeito tirou recursos que poderia investir na população carente para usar na estátua.
O prefeito não recebe a Folha pessoalmente. É representado por sua chefe de gabinete.

Conversa no salão
Em um salão de cabeleireiro no shopping da cidade, a maioria evangélica debate sobre a instalação da imagem.
"Ali tem dinheiro do budista, do espírita, de todo mundo", indigna-se Jéssica Mendes, 22.
A vendedora Maria do Carmo Deodato, 43, diz que a luta dos evangélicos "é para que a cidade não seja consagrada a uma imagem só". "Isso é monopólio religioso", alega.
Independentemente de religião, diz Diné Ramos, 42, "a estátua é muito esquisita".
Depois da missa das 15h, um grupo de senhoras católicas aceita subir o morro para posar ao lado da estátua. Muito falantes, elas debatem o tema na maior alegria.
"Não sei por que encasquetaram com o pobre do santo Antônio...Olha que lindo!", diz a aposentada Nanette "do Zizo" de Oliveira, 77.
Referindo-se a uma imagem de Iemanjá instalada na praia da cidade, Nanette diz que integrou um abaixo-assinado pela permanência da rainha do mar na umbanda e no candomblé no local. "Assinei mesmo, a imagem é linda. Tá lá, não faz mal a ninguém!"
A professora Marília Rocha, 50, explica que é devota de santo Antônio desde a infância. "Você acredita que meu pai morreu no dia 13 de junho (dia do santo)? Disse a ele: "Pai, você conseguiu'!" "Que chique", comenta a professora aposentada Maria Bellato, 69.
A funcionária pública Maria Genes, 63, roga uma praga leve: "O (presidente Humberto de Alencar) Castello Branco aboliu os feriados de santo Antônio, são Pedro e são João e você viu o que aconteceu? Ele foi embargado no céu. Morreu em um desastre de avião."


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