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ENTREVISTA DA 2ª ANTÔNIO ARAÚJO
Relação com a cidade tem de ser menos anestesiada
DIRETOR QUE JÁ ENCENOU EM
PRESÍDIO, IGREJA, HOSPITAL E
ATÉ NO RIO TIETÊ PREPARA PEÇA
SOBRE O BOM RETIRO, BAIRRO
TRADICIONAL DE SÃO PAULO
LETICIA DE CASTRO
DE SÃO PAULO
No início do longo trabalho de elaboração do próximo espetáculo do Teatro da
Vertigem -sobre o bairro
paulistano do Bom Retiro- ,
que deve estrear no segundo
semestre de 2011, o diretor
Antônio Araújo, 44, fala sobre o processo de criação e a
relação do grupo com a cidade nesta entrevista à Folha.
FOLHA - O que no Bom Retiro
chamou a atenção do grupo?
ANTÔNIO ARAÚJO - A
questão dos fluxos migratórios nos interessa bastante.
Judeus sendo substituídos
por coreanos, depois por bolivianos. O fato de ser um
bairro colado à rodoviária e à
estação de trem fez dele um
lugar onde as pessoas chegavam e ficavam. Vamos saber
o que incorporar disso depois
da pesquisa de campo.
Como é a pesquisa de campo?
Vai desde estar no lugar,
investigar, mapear, até encontrar pessoas, conversar
para coletar a memória oral.
No Bom Retiro, queremos
promover oficinas de iluminação, dramaturgia e figurino, para a população local,
como em todos os trabalhos.
Colado ao Bom Retiro está a
cracolândia, onde a prefeitura realiza um projeto de revitalização chamado Nova Luz,
que deve mudar a paisagem e
a ocupação da área. Você tem
acompanhado essa questão?
O que acha do projeto?
Pela proximidade com o
Bom Retiro, quero investigar
mais. O que chama a atenção
é que, por enquanto, só mudaram o problema de lugar.
No ano passado, vi, próximo
à estação Julio Prestes, uma
rua inteira tomada [por viciados], à luz do dia. O que me
dá medo na palavra "revitalização" é que, às vezes, ela esconde processos de gentrificação e higienização. Fico
me perguntando como está
sendo pensada a integração
das pessoas que moram lá.
Colocar as pessoas de lado
reforça a exclusão.
A trajetória do Teatro da Vertigem sempre esteve ligada à
cidade de São Paulo. O que o
atrai nesse tipo de encenação, de performance urbana?
O primeiro trabalho, ["Paraíso Perdido"] na igreja Santa Ifigênia, causou muita discussão sobre o lugar do teatro dentro da cidade. A ideia
de um teatro que possa ocupar, invadir, atravessar a cidade é algo que me interessa.
A chance de levar o teatro para outros lugares e trazer luz
para espaços da cidade que
as pessoas não notam e discutir o poder que o teatro tem
de interferir na cidade.
Que tipo de interferência o
teatro pode ter na cidade e na
relação do cidadão com o espaço urbano?
Eu acho que a gente consegue provocar ruídos nessa relação, desestabilizar. Um
exemplo concreto: você entrar no rio Tietê [onde foi encenado "BR-3"], que é um lugar aonde as pessoas nunca
vão, e olhar a marginal do
ponto de vista do rio muda o
seu olhar sobre a cidade. Você instaura uma outra perspectiva. Talvez para algumas
pessoas isso mude muito, para outras mude menos. Mas
acho que, no mínimo, você
cria uma perturbação, um
distúrbio. Eu estou interessado nisso: reencontrar a relação com a cidade, tirar os vícios, deixar a relação [do público] com a cidade menos
anestesiada.
E qual é o papel da cidade no
trabalho do grupo?
A cidade é um território
que a gente ocupa. A ideia do
trabalho de pesquisa e do espetáculo é que você possa ter
a cidade como campo de experiência para nós, como artistas, e para quem vai assistir e participar. O ponto de
partida é a conexão com São
Paulo. No momento de criação, a ligação é muito forte.
No "Livro de Jó", a ideia
[de abordar a Aids] tinha a
ver com o momento da cidade. Em 1993, São Paulo era a
cidade número um em mortes por Aids na América Latina. Por que [montar "Apocalipse 1,11"] no Carandiru? O
massacre dos 111 era ferida,
tinha a ver com um momento
apocalíptico de São Paulo.
Como vocês escolhem os espaços de encenação?
A partir das pesquisas fica
mais claro o lugar que pode
ajudar na discussão que a
gente quer fazer. No "BR-3",
por exemplo, a gente queria
discutir a identidade nacional. Percebemos que o elemento da destruição era forte. Aí, veio a ideia do rio destruído da cidade [o Tietê].
Durante a preparação de
"Apocalipse 1,11", vocês fizeram pesquisas no presídio do
Carandiru, mas não conseguiram permissão do governo para encenar lá. Você acha
que existe uma compreensão
do poder público a respeito
do tipo de trabalho de vocês?
Depende de quem você
tem pela frente. Em alguns
casos encontramos pessoas
que não entendiam nada. Já
recorremos a CET, PM, Secretaria de Administração Penitenciária, de Obras, subprefeitura. E não só a órgãos públicos. No "Livro de Jó", percorremos hospitais, falamos
com administradores. Nos
ofereciam o auditório. Quando a gente dizia que queria o
hospital, era um susto.
Fora do Brasil também tivemos esse tipo de dificuldade para ocupar espaços públicos e não convencionais.
A burocracia é imensa.
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