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PASQUALE CIPRO NETO
"O time joga no ataque, independente(mente) do adversário..."
Já estamos em setembro, em
plena Semana da Pátria. O feriado da Independência me fez
lembrar que já recebi um sem-número de mensagens de leitores
que querem comentários sobre o
emprego de "independente" e "independentemente".
A dúvida dos leitores é gerada
por frases como estas, muito comuns nos meios de comunicação:
"O Banco Central vai manter os
juros, independente do cenário
externo"; "Nosso time joga no
ataque, independente do local da
partida e do adversário". É adequado esse emprego de "independente" ou é obrigatório o uso de
"independentemente"?
O leitor desta coluna sabe que o
que menos faço é dizer que é assim ou assado; meu papel é o de
explicar os fatos da língua.
Vamos ao fatos, pois. Quando
tratei aqui do conhecido caso da
cerveja "que desce redondo", expliquei que em português é mais
do que comum a adverbialização
do adjetivo, ou seja, o emprego do
adjetivo com valor de advérbio, o
que se vê, por exemplo, em "Elas
me olharam torto" (em que "torto" equivale a "de modo torto",
"tortamente") e "Por que vocês
nunca fazem as coisas direito?"
(em que "direito" equivale a "de
modo direito", "direitamente").
Em Portugal, é muito comum o
emprego de "imenso" no lugar de
"imensamente" ("Senti imenso a
tua falta"), fato que também se
registra nos nossos escritores.
Na frase da cerveja, "redondo",
que está por "redondamente",
"de modo redondo", não modifica "cerveja", mas o verbo "descer", assim como em "Ela me
olhou torto" a palavra "torto"
não modifica "ela", mas o verbo
"olhar". Se "torto" se referisse a
"ela", teríamos "Ela me olhou torta", o que é outra história...
O que vimos até aqui serve de
argumento para que se possam
tomar como legítimas as construções em que se usa "independente" no lugar de "independentemente". É preciso, no entanto, levar em conta pelo menos dois aspectos deveras importantes.
O primeiro deles diz respeito ao
fato de que, em "Nosso time joga
no ataque, independente do local
da partida e do adversário", o advérbio "independente" não modifica um termo da frase; modifica
a frase toda. Em casos como esse,
é bem mais comum o uso do advérbio terminado em "-mente" do
que o do adjetivo que lhe dá base.
Não se diz, por exemplo, "Feliz,
ele chegou" quando se quer dizer
que, por felicidade, ele chegou;
diz-se "Felizmente, ele chegou".
Estão nessa situação, entre outros, os casos de "diferente/diferentemente", "contrário/contrariamente" e "paralelo/paralelamente". É mais comum (e aconselhável), por exemplo, que se diga
ou escreva "Diferentemente dos
irmãos, ela não gosta de literatura", se o que se quer não é dizer
que ela é diferente dos irmãos,
mas que o que ocorre com os irmãos não ocorre com ela. Percebeu a (sutil) diferença, caro leitor?
O segundo aspecto que se deve
levar em conta acaba de ser elucidado: é o da possível ambigüidade decorrente do uso de "independente" no lugar de "independentemente", de "contrário" no lugar
de "contrariamente" etc. Em "Independente de qualquer fator externo, o Banco Central manterá
os juros", por exemplo, pode-se ficar sem saber se o BC é independente de qualquer fator externo
ou se a manutenção dos juros não
depende desses fatores. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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