São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"O time joga no ataque, independente(mente) do adversário..."

Já estamos em setembro, em plena Semana da Pátria. O feriado da Independência me fez lembrar que já recebi um sem-número de mensagens de leitores que querem comentários sobre o emprego de "independente" e "independentemente".
A dúvida dos leitores é gerada por frases como estas, muito comuns nos meios de comunicação: "O Banco Central vai manter os juros, independente do cenário externo"; "Nosso time joga no ataque, independente do local da partida e do adversário". É adequado esse emprego de "independente" ou é obrigatório o uso de "independentemente"?
O leitor desta coluna sabe que o que menos faço é dizer que é assim ou assado; meu papel é o de explicar os fatos da língua.
Vamos ao fatos, pois. Quando tratei aqui do conhecido caso da cerveja "que desce redondo", expliquei que em português é mais do que comum a adverbialização do adjetivo, ou seja, o emprego do adjetivo com valor de advérbio, o que se vê, por exemplo, em "Elas me olharam torto" (em que "torto" equivale a "de modo torto", "tortamente") e "Por que vocês nunca fazem as coisas direito?" (em que "direito" equivale a "de modo direito", "direitamente").
Em Portugal, é muito comum o emprego de "imenso" no lugar de "imensamente" ("Senti imenso a tua falta"), fato que também se registra nos nossos escritores.
Na frase da cerveja, "redondo", que está por "redondamente", "de modo redondo", não modifica "cerveja", mas o verbo "descer", assim como em "Ela me olhou torto" a palavra "torto" não modifica "ela", mas o verbo "olhar". Se "torto" se referisse a "ela", teríamos "Ela me olhou torta", o que é outra história...
O que vimos até aqui serve de argumento para que se possam tomar como legítimas as construções em que se usa "independente" no lugar de "independentemente". É preciso, no entanto, levar em conta pelo menos dois aspectos deveras importantes.
O primeiro deles diz respeito ao fato de que, em "Nosso time joga no ataque, independente do local da partida e do adversário", o advérbio "independente" não modifica um termo da frase; modifica a frase toda. Em casos como esse, é bem mais comum o uso do advérbio terminado em "-mente" do que o do adjetivo que lhe dá base. Não se diz, por exemplo, "Feliz, ele chegou" quando se quer dizer que, por felicidade, ele chegou; diz-se "Felizmente, ele chegou".
Estão nessa situação, entre outros, os casos de "diferente/diferentemente", "contrário/contrariamente" e "paralelo/paralelamente". É mais comum (e aconselhável), por exemplo, que se diga ou escreva "Diferentemente dos irmãos, ela não gosta de literatura", se o que se quer não é dizer que ela é diferente dos irmãos, mas que o que ocorre com os irmãos não ocorre com ela. Percebeu a (sutil) diferença, caro leitor?
O segundo aspecto que se deve levar em conta acaba de ser elucidado: é o da possível ambigüidade decorrente do uso de "independente" no lugar de "independentemente", de "contrário" no lugar de "contrariamente" etc. Em "Independente de qualquer fator externo, o Banco Central manterá os juros", por exemplo, pode-se ficar sem saber se o BC é independente de qualquer fator externo ou se a manutenção dos juros não depende desses fatores. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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