|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Paciente fica 4 dias internada em cadeira
A aposentada Caetana Francisca da Silva, 58, estava com hemorragia, mas não conseguiu leito no maior hospital de Pernambuco
Em Alagoas, greve dos médicos terminou após 87 dias, mas nove categorias do setor, como enfermeiros, ainda continuam parados
DA AGÊNCIA FOLHA
Em um grande hospital de
uma capital do Nordeste, região que passa por crise na saúde pública, a tinta nos vidros da
entrada do setor de emergência
tenta esconder o caos no atendimento do outro lado da porta.
Pinturas, contudo, não conseguem ocultar a situação precária vivida por usuários do
SUS (Sistema Único de Saúde)
no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador, e em outros
quatro hospitais públicos de capitais do Nordeste visitados pela Folha na quarta-feira.
Nessas cinco unidades, que,
juntas, fazem cerca de 2.700
atendimentos por dia, o retrato
colhido pela reportagem é de
superlotação, falta de infra-estrutura e de pessoal.
Entre os pacientes, relatos
de horas de espera, desinformação e, principalmente, indignação contra a classe política do país. Um sentimento difuso: sem nomear culpados e
com poder público como culpado pelo caos.
Bahia
No maior hospital público da
Bahia, do outro lado da entrada
de vidro fosco e tinta nas frestas, o setor de emergência expõe problemas como ar-condicionado central quebrado e carência de macas para pacientes
que chegam a todo momento
do interior do Estado.
"Cheguei aqui [emergência]
com muita fome às 2h e só fui
atendida às 5h. Não havia macas, e parentes me carregaram", disse a aposentada Matilde Conceição, 87, que tentava
controlar uma elevação súbita
da taxa de açúcar no sangue.
Enquanto esperam pela triagem, pacientes deitam-se até
no chão, sobre lençóis. Segundo funcionários, em dias de
maior movimento, até 40 pessoas ficam nos corredores à espera de vagas.
Fundado em 1979, o Roberto
Santos é 100% mantido pelo
governo estadual. Apesar de
seus 4.500 funcionários -população superior à de 1.168 cidades brasileiras (21% do total)-, sendo 600 médicos, há
quem fique sem auxílio. Na Bahia, apenas 12,7% da população
tem plano privado de saúde.
"O pior de tudo é a humilhação. A gente vem porque não
tem plano de saúde e tem que
conviver com o descaso do governo federal. Os governantes
dizem que faltam verbas, mas
falta mesmo é vergonha na cara, vontade política", afirmou o
aposentado Fabrício de Jesus,
71. Com arritmia cardíaca, ele
não havia sido atendido. "Pediram para voltar outro dia porque tinha muita gente na fila."
Pernambuco
Em Pernambuco, onde
84,6% das pessoas não têm plano privado de saúde, a onda de
demissões de médicos da rede
estadual -que teve como um
dos motivos a falta de estrutura
nas emergências- terminou
no último dia 8, mas a crise no
setor continua.
Na emergência do Hospital
da Restauração, a maior do Estado, em Recife, salas permanecem superlotadas. Sem leitos,
pacientes passam dias internados em cadeiras reclináveis.
"A gente chega doente ao
hospital e pensa que vai ter um
atendimento melhor, mas não
tem", disse a aposentada Caetana Francisca da Silva, 58. Com
hemorragia interna, ela passou
quatro dias internada em uma
dessas cadeiras até receber alta
na quarta-feira e voltar para
Cabo de Santo Agostinho (36
km de Recife).
A aposentada apontou sujeira e poucos médicos na unidade, mantida pelo Estado e que
faz 435 atendimentos por dia.
"Falta dinheiro, e, quando tem,
o governo não investe."
Para a dona-de-casa Elza
Aguiar, 70, a demora na unidade é "coisa da política". Antes
de internar a filha de 23 anos no
Restauração, ela não conseguiu
ajuda em outro hospital.
Ceará
Criado em 1932 para atender
lesões graves, o Instituto José
Frota, em Fortaleza, tem a rotina de grande ambulatório, absorvendo casos simples que poderiam ser tratados até em postos de saúde, como gripes.
Com a ausência de regulação
na saúde estadual, cidades decidem quando e por que levar
um doente ao hospital -apenas
em julho, recebeu 955 ambulâncias do interior.
De uma ambulância de Itapipoca (150 km de Fortaleza) vinha o agricultor José Rodrigues Mota, 33, com um coice de
vaca no rosto e suspeita de fratura. "Não entendo muito de
política, mas acho que a culpa
de tanta lotação é desses governantes todos."
Na manhã da última quarta-feira, o hospital de orçamento
anual de R$ 135 milhões -bancado pela prefeitura (75,5%),
União (23%) e Estado (1,5%)-
abrigava pacientes que esperavam vagas desde a noite anterior. O agricultor Francisco Rodrigues, 35, de Jaguaruana (180
km de Fortaleza), tinha lesão
no rosto. "Como posso achar isso aqui bom? Só tem situações
horríveis e demora", disse a
mulher do agricultor, Regiane
Rodrigues, 31.
A crise na saúde no Ceará
-onde 12,9% da população tem
plano de saúde privado- tem
se agravado nas últimas semanas com a recusa, por cardiologistas e anestesistas, de fazer
cirurgias em hospitais privados
que atendem pelo SUS.
Alagoas
A greve dos médicos da rede
estadual em Alagoas, encerrada
no último dia 24, durou 87 dias.
Mas nove categorias do setor
-como enfermeiros e psicólogos- continuam paradas. No
Estado, beneficiários de planos
de saúde privados perfazem
apenas 11% da população.
O principal efeito da paralisação -apenas 30% dessas categorias estão trabalhando- é a
desinformação. Profissionais
têm que se desdobrar em serviços prioritários -como casos
de urgência- e deixam o público sem informações.
Na Unidade de Emergência
Armando Lages, único pronto-socorro público de Maceió, custeado pelo Estado, a agricultora
Maria Francisca da Conceição,
38, de Novo Lino (108 km da capital), havia internado a mãe,
com problemas renais e cardíacos. "Eles [médicos] não sabem
nem quando vão conseguir
uma cama."
Sergipe
No Hospital de Urgência de
Sergipe Governador João Alves
Filho, em Aracaju, o conforto
da recepção -com televisão e
cadeiras organizadas- contrasta com a realidade do setor
de atendimento, com pacientes
amontoados e corredores que
fazem as vezes de enfermaria.
Inaugurada em 1987, num
Estado com taxa de cobertura
de planos de saúde de apenas
12,7%, a unidade faz cerca de
600 atendimentos diários.
O pedreiro José Eduardo
Souza, 38, estava revoltado com
o serviço prestado à mãe, de 62
anos, internada por problemas
cardíacos. "Venha ver o que estão fazendo com a minha mãe.
Uma pessoa doente está ali jogada numa maca no corredor.
Que país, meu Deus, é esse, que
não trata o povo com respeito?", disse, emocionado. "[Políticos] Só lembram da gente
quando querem voto. Aí você
vai na cidade e não tem médico,
remédio, nada", disse Maria
Anunciata, 52, com o pé quebrado.
(LUIZ FRANCISCO, FÁBIO GUIBU,
KAMILA FERNANDES, MÔNICA CAVALCANTE E PAULO ROLEMBERG)
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Má distribuição faz pequena cidade ter mais equipamentos Índice
|