São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Paciente fica 4 dias internada em cadeira

A aposentada Caetana Francisca da Silva, 58, estava com hemorragia, mas não conseguiu leito no maior hospital de Pernambuco

Em Alagoas, greve dos médicos terminou após 87 dias, mas nove categorias do setor, como enfermeiros, ainda continuam parados

DA AGÊNCIA FOLHA

Em um grande hospital de uma capital do Nordeste, região que passa por crise na saúde pública, a tinta nos vidros da entrada do setor de emergência tenta esconder o caos no atendimento do outro lado da porta.
Pinturas, contudo, não conseguem ocultar a situação precária vivida por usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador, e em outros quatro hospitais públicos de capitais do Nordeste visitados pela Folha na quarta-feira.
Nessas cinco unidades, que, juntas, fazem cerca de 2.700 atendimentos por dia, o retrato colhido pela reportagem é de superlotação, falta de infra-estrutura e de pessoal.
Entre os pacientes, relatos de horas de espera, desinformação e, principalmente, indignação contra a classe política do país. Um sentimento difuso: sem nomear culpados e com poder público como culpado pelo caos.

Bahia
No maior hospital público da Bahia, do outro lado da entrada de vidro fosco e tinta nas frestas, o setor de emergência expõe problemas como ar-condicionado central quebrado e carência de macas para pacientes que chegam a todo momento do interior do Estado.
"Cheguei aqui [emergência] com muita fome às 2h e só fui atendida às 5h. Não havia macas, e parentes me carregaram", disse a aposentada Matilde Conceição, 87, que tentava controlar uma elevação súbita da taxa de açúcar no sangue.
Enquanto esperam pela triagem, pacientes deitam-se até no chão, sobre lençóis. Segundo funcionários, em dias de maior movimento, até 40 pessoas ficam nos corredores à espera de vagas.
Fundado em 1979, o Roberto Santos é 100% mantido pelo governo estadual. Apesar de seus 4.500 funcionários -população superior à de 1.168 cidades brasileiras (21% do total)-, sendo 600 médicos, há quem fique sem auxílio. Na Bahia, apenas 12,7% da população tem plano privado de saúde.
"O pior de tudo é a humilhação. A gente vem porque não tem plano de saúde e tem que conviver com o descaso do governo federal. Os governantes dizem que faltam verbas, mas falta mesmo é vergonha na cara, vontade política", afirmou o aposentado Fabrício de Jesus, 71. Com arritmia cardíaca, ele não havia sido atendido. "Pediram para voltar outro dia porque tinha muita gente na fila."

Pernambuco
Em Pernambuco, onde 84,6% das pessoas não têm plano privado de saúde, a onda de demissões de médicos da rede estadual -que teve como um dos motivos a falta de estrutura nas emergências- terminou no último dia 8, mas a crise no setor continua.
Na emergência do Hospital da Restauração, a maior do Estado, em Recife, salas permanecem superlotadas. Sem leitos, pacientes passam dias internados em cadeiras reclináveis.
"A gente chega doente ao hospital e pensa que vai ter um atendimento melhor, mas não tem", disse a aposentada Caetana Francisca da Silva, 58. Com hemorragia interna, ela passou quatro dias internada em uma dessas cadeiras até receber alta na quarta-feira e voltar para Cabo de Santo Agostinho (36 km de Recife).
A aposentada apontou sujeira e poucos médicos na unidade, mantida pelo Estado e que faz 435 atendimentos por dia. "Falta dinheiro, e, quando tem, o governo não investe."
Para a dona-de-casa Elza Aguiar, 70, a demora na unidade é "coisa da política". Antes de internar a filha de 23 anos no Restauração, ela não conseguiu ajuda em outro hospital.

Ceará
Criado em 1932 para atender lesões graves, o Instituto José Frota, em Fortaleza, tem a rotina de grande ambulatório, absorvendo casos simples que poderiam ser tratados até em postos de saúde, como gripes.
Com a ausência de regulação na saúde estadual, cidades decidem quando e por que levar um doente ao hospital -apenas em julho, recebeu 955 ambulâncias do interior.
De uma ambulância de Itapipoca (150 km de Fortaleza) vinha o agricultor José Rodrigues Mota, 33, com um coice de vaca no rosto e suspeita de fratura. "Não entendo muito de política, mas acho que a culpa de tanta lotação é desses governantes todos."
Na manhã da última quarta-feira, o hospital de orçamento anual de R$ 135 milhões -bancado pela prefeitura (75,5%), União (23%) e Estado (1,5%)- abrigava pacientes que esperavam vagas desde a noite anterior. O agricultor Francisco Rodrigues, 35, de Jaguaruana (180 km de Fortaleza), tinha lesão no rosto. "Como posso achar isso aqui bom? Só tem situações horríveis e demora", disse a mulher do agricultor, Regiane Rodrigues, 31.
A crise na saúde no Ceará -onde 12,9% da população tem plano de saúde privado- tem se agravado nas últimas semanas com a recusa, por cardiologistas e anestesistas, de fazer cirurgias em hospitais privados que atendem pelo SUS.

Alagoas
A greve dos médicos da rede estadual em Alagoas, encerrada no último dia 24, durou 87 dias. Mas nove categorias do setor -como enfermeiros e psicólogos- continuam paradas. No Estado, beneficiários de planos de saúde privados perfazem apenas 11% da população.
O principal efeito da paralisação -apenas 30% dessas categorias estão trabalhando- é a desinformação. Profissionais têm que se desdobrar em serviços prioritários -como casos de urgência- e deixam o público sem informações.
Na Unidade de Emergência Armando Lages, único pronto-socorro público de Maceió, custeado pelo Estado, a agricultora Maria Francisca da Conceição, 38, de Novo Lino (108 km da capital), havia internado a mãe, com problemas renais e cardíacos. "Eles [médicos] não sabem nem quando vão conseguir uma cama."

Sergipe
No Hospital de Urgência de Sergipe Governador João Alves Filho, em Aracaju, o conforto da recepção -com televisão e cadeiras organizadas- contrasta com a realidade do setor de atendimento, com pacientes amontoados e corredores que fazem as vezes de enfermaria.
Inaugurada em 1987, num Estado com taxa de cobertura de planos de saúde de apenas 12,7%, a unidade faz cerca de 600 atendimentos diários.
O pedreiro José Eduardo Souza, 38, estava revoltado com o serviço prestado à mãe, de 62 anos, internada por problemas cardíacos. "Venha ver o que estão fazendo com a minha mãe. Uma pessoa doente está ali jogada numa maca no corredor. Que país, meu Deus, é esse, que não trata o povo com respeito?", disse, emocionado. "[Políticos] Só lembram da gente quando querem voto. Aí você vai na cidade e não tem médico, remédio, nada", disse Maria Anunciata, 52, com o pé quebrado. (LUIZ FRANCISCO, FÁBIO GUIBU, KAMILA FERNANDES, MÔNICA CAVALCANTE E PAULO ROLEMBERG)

Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Má distribuição faz pequena cidade ter mais equipamentos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.