São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

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Nove são presos acusados de aplicar o "golpe do remédio"

Segundo o governador Serra, grupo falsificava atestado médico para obrigar o Estado, via ações judiciais, a comprar medicamentos

Foram presos médico, advogados, integrantes de uma ONG e 4 funcionários dos laboratórios Wyeth, Mantecorp e Merck Serono

RICARDO WESTIN
LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nove pessoas foram presas ontem na região de Marília (435 km de São Paulo) sob a acusação de forjar receitas médicas para obrigar, por meio de ações judiciais, a Secretaria de Estado da Saúde a comprar remédios para 15 pessoas com psoríase (doença inflamatória da pele). Em um ano foram gastos em torno de R$ 900 mil.
Os supostos membros da quadrilha são um médico, dois advogados, dois membros da ONG (organização não-governamental) Associação dos Portadores de Vitiligo e Psoríase do Estado de São Paulo e quatro funcionários dos laboratórios farmacêuticos Wyeth, Mantecorp e Merck Serono.
A multinacional Abbott, embora não tenha tido nenhum funcionário preso, também está sendo investigada. O governo disse que ainda não é possível saber se as diretorias dos laboratórios farmacêuticos tinham conhecimento do esquema.
Por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), o governo fornece à população diversos tipos de remédio. No caso da psoríase, são três. Normalmente, o doente se trata com um deles. O mais barato custa R$ 50 por mês. O mais caro, R$ 1.000.
Os advogados da quadrilha, diz o governo, usaram prescrições forjadas pelo médico Paulo César Ramos para convencer a Justiça de que o Estado deveria fornecer àqueles 15 pacientes remédios mais caros e que não fazem parte do SUS. Esses medicamentos, para um doente, custam R$ 5.000 por mês.
É comum que os juízes atendam aos pedidos, com base na Constituição, que determina que a saúde é um "direito de todos" e "dever do Estado".
A Secretaria da Saúde diz ter atendido a 3.800 ordens judiciais no ano passado que determinavam a entrega de medicamentos caros contra psoríase. Do total, o governo crê que ao menos 2.500 tiveram origem fraudulenta -R$ 63 milhões.
"O grande lucro ficava com os laboratórios, que vendiam muito mais", afirmou o delegado Fábio Pinho Alonso, de Marília. Os laboratórios repassavam parte do lucro à ONG, aos advogados e ao médico. A ONG recebia R$ 150 por paciente.
A Secretaria da Saúde diz que, dos 15 pacientes, 13 poderiam ser tratados com os remédios mais baratos, que são oferecidos regularmente pelo SUS. Os outros dois nem sequer tinham psoríase. Como os medicamentos solicitados reduzem as defesas do corpo, três pacientes acabaram contraindo tuberculose, disse o governo.
"É uma forma de corrupção mórbida, porque mexe com a saúde das pessoas", afirmou o governador José Serra (PSDB), que anunciou o desbaratamento da quadrilha ao lado de seus secretários Ronaldo Marzagão (Segurança Pública) e Luiz Roberto Barradas Barata (Saúde).
Serra, que foi ministro da Saúde de 1998 a 2002, afirmou que diversos grupos agem no Brasil usando o mesmo esquema, mas que essa foi a primeira vez que a polícia conseguiu desarticular uma quadrilha desse tipo. "Essa é apenas a ponta do barbante."
Os pacientes e os juízes não sabiam da fraude, segundo a polícia. Um dos pacientes usados no esquema foi um marceneiro de 28 anos. Ele ficou assustado quando soube ontem do caso, por jornalistas. "Na associação, assinei um documento para a advogada fazer o pedido do remédio. Achei que era simples, não que era para entrar na Justiça. Pensei que era uma coisa séria", diz ele, que tem psoríase desde a infância.
No ano passado, o governo de São Paulo gastou, por ordem de juízes, R$ 400 milhões com remédios que, na maioria dos casos, não fazem parte da lista do SUS. O secretário Barradas Barata acredita que metade desse valor atendeu a ações baseadas em receitas médicas forjadas.
O Ministério da Saúde divulgou uma nota afirmando que "já suspeitava de articulações desse tipo". Só neste ano, o governo federal gastou R$ 48 milhões com remédios pedidos em ações judiciais.


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