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EFEITO COLATERAL
Fabricante contestava indícios contra o uso do Vioxx num caso em que o marketing venceu a ciência
Estudos mostram riscos desde 2000
BARRY MEYER
DO "NEW YORK TIMES"
Por anos, acumularam-se indícios de que o analgésico Vioxx poderia aumentar o risco de ataques
cardíacos. Por anos, a fabricante
do medicamento, Merck, contestou essas conclusões.
Na semana passada, as defesas
da Merck começaram a ruir, com
o surgimento de provas irrefutáveis, em um estudo da própria
empresa, indicando que o Vioxx
duplicava as chances de ataques
cardíacos para usuários de longo
prazo. Anteontem, a Merck anunciou que retiraria o remédio do
mercado em todo o mundo.
De muitas maneiras, a curta
mas extremamente lucrativa história do Vioxx pode terminar sendo um exemplo do triunfo do
marketing sobre a ciência.
Ainda que indícios preocupantes tenham começado a surgir
pouco depois da aprovação do
medicamento, em 1999, as vendas
do Vioxx dispararam para a marca dos US$ 2,5 bilhões, no ano
passado, com base em uma das
mais intensas campanhas de marketing direto ao consumidor já
realizadas para um medicamento
vendido sob receita.
Nos primeiros seis meses do
ano, a Merck gastou um total estimado em US$ 45 milhões em publicidade do remédio.
Na quinta-feira, alguns pesquisadores que estudam o Vioxx há
muito tempo se declararam surpresos com o fato de que tenha
demorado tanto para que a decisão de eliminá-lo fosse tomada.
"É um terrível testemunho
quanto ao poder do marketing",
disse Jerry Avorn, diretor da divisão de pesquisa do Brigham and
Women's Hospital, em Boston.
Sinais de riscos do Vioxx começaram a surgir pouco depois que a
FDA (agência federal norte-americana que fiscaliza alimentos e remédios), aprovou sua chegada ao
mercado, em 1999, para tratar dores causadas pela artrite e por outros problemas. O remédio não
controlava a dor melhor do que
concorrentes, mas reduzia a incidência de úlceras e de sangramento gastrointestinal.
Em 2000, a Merck submeteu à
FDA estudo demonstrando que
usuários de Vioxx corriam risco
de ataques cardíacos e derrames
quatro ou cinco vezes maiores do
que usuários do naproxen, um
analgésico tradicional. Os autores
do estudo, financiado pela Merck,
teorizavam que os resultados, na
verdade, demonstravam efeitos
benéficos do naproxen, e não efeitos adversos do Vioxx.
Em 2001, a FDA alertou a Merck
de que suas campanhas promocionais estavam minimizando o
risco cardiovascular do Vioxx, e
divulgando de maneira errônea
os resultados do estudo de 2000.
No ano seguinte, a agência exigiu
que a Merck acrescentasse ao rótulo do remédio um alerta quanto
aos riscos intensificados de ataque cardíacos e derrame.
Em 2002, dois estudos indicaram que o naproxen não tinha
efeito protetor perceptível sobre o
sistema cardiovascular, e que o
Vioxx, quando consumido em
dosagens elevadas, intensificava
riscos de distúrbios cardíacos.
A próxima grande descoberta
científica sobre o Vioxx surgiu
um ano mais tarde, quando um
novo estudo financiado pela
Merck, com base em levantamentos de fichas médicas, concluiu
que o Vioxx, mesmo em dosagens
moderadas, aumentava os riscos
cardiovasculares. A Merck contestou as conclusões do estudo.
Em agosto, a Kaiser Permanente, organização de saúde sem fins
lucrativos, informou que uma revisão nas fichas de seus pacientes
indicava que aqueles que tomavam Vioxx em dosagens superiores a 25 miligramas enfrentavam
riscos de ataques cardíacos e
doenças cardiovasculares três vezes superiores à média.
A Merck vinha sustentando há
muito que os primeiros estudos,
como o da Kaiser Permanente,
não podiam ser considerados
porque eram baseados em fichas
médicas, e não em testes clínicos
nos quais os efeitos de um remédio são medidos em tempo real e
usando um grupo de controle ao
qual é administrado um placebo.
Na semana passada, a Merck recebeu más notícias dos pesquisadores envolvidos em um teste
desse tipo. O teste, preparado para demonstrar que o Vioxx era
efetivo para prevenir pólipos cancerosos no cólon, descobriu, em
lugar disso, que o remédio aumentava o risco de ataques cardíacos e derrames.
Janet Skidmore, porta-voz da
Merck, disse anteontem que o estudo sobre câncer de cólon foi o
primeiro teste clínico a demonstrar esse tipo de resultado, e que a
empresa agiu imediatamente ao
receber os dados.
"Foi a primeira vez que essa espécie de estudo, um estudo científico padronizado, demonstrou essa espécie de resultado depois de
18 meses de tratamento", disse.
Mas David Campen, diretor de
informação e utilização de medicamentos e informações médicas
no Kaiser, disse acreditar que os
resultados dos testes clínicos foram apenas mais um tijolo na
muralha de provas contra o
Vioxx. "Creio que concluíram
que seria simplesmente arriscado
demais para a empresa manter o
medicamento no mercado."
Tradução de Paulo Migliaccio
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