São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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CERIMÔNIA DO ADEUS

Com efeitos do autor de aberturas do "Fantástico", unidade cobrará R$ 1.870 para levar caixão ao alto do salão

Novo crematório quer levar morto ao céu

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Ensaio de cerimônia no Crematório Primaveras, onde o caixão será elevado até o alto do salão


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Parece um auditório, 66 poltronas dispostas em fila, as paredes pintadas de vermelho vinho, janelões amplos, que se abrem para claros jardins em estilo japonês, um púlpito. Sobre uma mesa levadiça, é colocado o caixão. Diminuída a intensidade da luz, entra a música-tema de "Titanic". O ataúde sobe, sobe, lentamente, até desaparecer no teto. Ao fundo, brilha o céu cenográfico.
Assim será a cerimônia no primeiro crematório privado da Grande São Paulo, a ser inaugurado hoje em Guarulhos. É uma alternativa ao crematório da Vila Alpina (zona leste da cidade), implantado em 1974 e responsável por cerca de 600 cremações mensais, todas feitas gratuitamente.
No Crematório Primaveras, próximo ao aeroporto de Cumbica, cada cremação custará R$ 1.870. Quem comprar antecipadamente o serviço, poderá pagar em dez vezes sem acréscimo. "O meu negócio é a cerimônia, não apenas a cremação", diz Jayme Adissi, 57, proprietário do cemitério Primaveras e, agora, do crematório, explicando a diferença entre o serviço que oferece, e o do crematório municipal.

Cerimônia "inesquecível"
Para tornar a cerimônia "inesquecível", Adissi contratou os serviços de Cyro Del Nero, professor titular de cenografia da Escola de Comunicações e Artes da USP, que, entre outros trabalhos, foi o responsável pela montagem do Pavilhão Brasileiro montado em 1998 no Museu do Louvre. Também fez várias aberturas do "Fantástico", da Rede Globo.
Uma encomenda era básica: o caixão, ao contrário do que acontece no crematório da Vila Alpina, que desce, deveria subir até desaparecer. "Foi idéia minha", diz Adissi. "A subida representa a ascensão aos céus, que é o que todos desejam para o parente ou amigo que morreu."
Para melhor ambientação, existem 1.500 músicas (inclusive japonesas), salmos e orações. Cabe aos parentes a escolha do repertório. O efeito da trilha sonora fica magnificado pelas caixas de som espalhadas por toda a sala, inclusive sob as poltronas.
Um mestre de cerimônias, Carlos Eduardo Gummersbach, 52, foi contratado para recepcionar os convidados. Ele também poderá ler do alto do púlpito uma homenagem da família ao morto, caso seja essa a encomenda.
Administrador de empresas agora atuando em novo ramo, Gummersbach, olhos azuis, cavanhaque grisalho e voz grave define sua missão: "Conduzir a cerimônia do adeus de modo solene, evitando que ela seja marcada pelo desespero ou pela banalidade." Quem quiser poderá encomendar serviço de bufê quente e frio.
Câmeras de vídeo espalhadas pelo auditório gravarão tudo. Famílias que encomendarem o serviço, poderão colocar as imagens na internet, para acesso de parentes distantes.
Uma semana depois, a família receberá as cinzas acondicionadas em urna escolhida entre vários modelos disponíveis (preços até R$ 1.100). A maioria, algo como 75% das famílias, prefere aspergi-las em algum lugar querido pelo morto a mantê-las guardadas em casa.
A cremação deixa poucos rastros, diferentemente do sepultamento. É por isso que Adissi vê com entusiasmo a idéia do registro em vídeo da cerimônia. Por R$ 150 reais, talvez seja essa a única lembrança da grande passagem.
O processo que não se vê, o da cremação em si, acontece em um amplo salão, onde o forno crematório, de aço inox, está instalado. Tudo é limpíssimo, parece uma sala cirúrgica.
Importado dos Estados Unidos, o forno, fabricado pela American Incinerators, atinge a temperatura de 900C, o suficiente para conseguir a combustão completa do corpo e do caixão.
Completada a operação, o forno é aberto e os restos são puxados, com o auxílio de uma vassoura de cabo longuíssimo, para dentro de uma caixa. Dependendo do tamanho do corpo, sobra algo entre um quilo e 1,5 quilo de cinzas ao final da cremação. Um eletroímã recolhe os pregos do caixão e outras partes metálicas que existam em meio às cinzas. Assim depurados, os restos são transferidos para a urna.
Comum na Índia, por exemplo, a cremação ainda encontra resistências religiosas fortes no Ocidente. A tradição cristã estabelece que a morte é uma espécie de sono profundo, do qual se emergirá quando do Juízo Final. É isso que mostram as tumbas de reis e rainhas construídas a partir do século 12, as estátuas retratando-os tal e qual eram na ocasião da morte, como se estivessem dormindo.
O ramo da cremação, entretanto, vem crescendo principalmente nos grandes centros, em que os cemitérios públicos estão no limite de sua capacidade e a escassez de terrenos livres encarece o preço de um jazigo privado, que pode custar mais de R$ 15 mil, fora as taxas de manutenção.


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