|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
Luto é um processo, não um evento
MARIA HELENA PEREIRA FRANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA
HOJE, A SAUDADE nos
leva a visitar a relação
que tínhamos com
nossos queridos que faleceram.
Essa visita nos fala ou relembra
aquilo que dá significado à vida
para muitas pessoas: a existência de um vínculo forte com alguém que, quando rompido, gera o luto. Falar de luto hoje é falar das nossas possibilidades de
fazer, desfazer e refazer laços.
Não podemos falar com precisão sobre uma sequência de
fases do luto. A pessoa enlutada, com frequência, encontra
outras que adotaram crenças
rígidas sobre o que deve ser experimentado nessa jornada ao
longo do luto.
Essas crenças podem afetar
profundamente o processo individual natural. Podemos encontrar respostas de desorganização, medo, culpa mas também podemos não encontrá-las. As emoções podem seguir-se umas às outras com intervalos curtos ou até mesmo duas
ou mais emoções podem estar
presentes ao mesmo tempo.
Cada pessoa fica enlutada de
sua maneira. O luto é uma experiência pessoal e única.
Como resultado dos valores
contemporâneos, as pessoas
enlutadas são encorajadas a rapidamente deixar para trás o
luto. Como resultado, temos
duas situações: ou o enlutado
vive seu processo isoladamente
ou se força a abandoná-lo, antes mesmo de tê-lo completado. Amigos e familiares, bem-intencionados, mas desinformados, tentam fazer com que a
pessoa enlutada desenvolva autocontrole, entendendo que essa é a resposta adequada.
As pessoas se perguntam
quanto tempo dura o luto, como uma confirmação de que
estão no caminho certo. Essa
pergunta é diretamente relacionada à impaciência que nossa cultura tem com o pesar e o
desejo de sair logo da experiência do luto. Um exemplo disso é
a pressão que o enlutado sofre,
logo após a perda, para voltar à
atividade normal.
O luto passa a ser visto como
algo a ser evitado, e não como
algo que precisa ser vivido e que
trará possibilidades de reconstrução. Mascarar ou fugir do luto causa ansiedade, confusão e
depressão.
Viver o luto não significa passar por ele, significa crescer por
meio dele, para renovar o senso
de confiança e a energia, para
reconhecer a realidade da morte e a capacidade de se tornar
envolvido novamente. O luto é
um processo, não um evento.
Além de entender na mente,
vai entender no coração: a pessoa amada morreu. A dor sentida vai deixar de ser onipresente
e aguda para se transformar em
um sentimento de perda que
pode ser admitido e que dá vez
a um significado e um propósito renovados.
Embora a pessoa que morreu
jamais venha a ser esquecida, a
vida pode e deve continuar a ser
vivida. A perda é para sempre, o
luto não.
MARIA HELENA PEREIRA FRANCO é psicóloga, professora titular da PUC-SP e coordenadora
do LELu (Laboratório de Estudos e Intervenções
sobre o Luto), da mesma universidade.
Texto Anterior: 2 milhões devem ir a cemitérios da capital Próximo Texto: Voo 3054: Relatório da Aeronáutica não acha responsáveis por acidente Índice
|