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Denúncia de abuso contra jovem partiu de um preso
Detento buscou certidão de nascimento para provar idade da adolescente
Depoimentos à Corregedoria confirmam que policiais, promotores e juíza sabiam da prisão de L. na mesma cela com homens
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Foi um preso, ex-companheiro de cela, que buscou provas para denunciar a prisão e os
abusos sexuais contra a adolescente L., 15, que ficou encarcerada com cerca de 20 homens
na cadeia de Abaetetuba (PA).
É o que mostram os depoimentos do inquérito da Corregedoria da Polícia Civil do Pará,
que ilustra a sucessão de omissões, conformismos e conivências de policiais militares, quatro delegados, três carcereiros,
dois promotores e uma juíza,
todos de alguma forma envolvidos e que agora empurram as
responsabilidades entre si.
Três carcereiros e delegado-supervisor dizem que promotores foram ao local no dia 13 de
novembro, mas deixaram L. para trás. Era um mutirão para
soltar presos provisórios.
Por ironia, o esforço rendeu a
liberdade a "Beto", acusado de
ser o primeiro a estuprar L.,
mas também liberou o preso S.,
que decidiu ajudar a menina.
Segundo o conselheiro tutelar de Abaetetuba, José Maria
Quaresma, S. o procurou no dia
14 e relatou "que a jovem estava
sendo vítima de abusos e que
possivelmente até policiais estivessem envolvidos" e que não
conseguiu ajuda nem no fórum
nem na Promotoria.
O denunciante também informou que "havia estado preso
e conhecido L., a qual lhe pediu
ajuda a fim de comprovar que
era menor de idade", já que
nem acreditava nela.
A iniciativa de S. também
rompe uma espécie de "conluio" formado entre os detidos, que admitem em seus depoimentos apenas um estupro
violento, mas seguido do suposto comportamento lascivo e
"oferecido" de L..
A partir da denúncia, começa
um circo de contradições, com
supostas fugas e documentos
falsos. Autoridades tentam fugir de responsabilidades e tentam ocultar seus erros.
Agem como se a mistura de
mulheres e homens na mesma
cela fosse um detalhe menor,
uma coisa "corriqueira".
O carcereiro Claudionor
Monteiro da Costa conta que
"já presenciou a prisão de várias mulheres naquele local, fato que era de conhecimento de
delegados, promotores, juízes,
inclusive da juíza Clarice Maria
de Andrade", que tinha visto isso em visita ao "xadrez".
Um dos carcereiros teria tentado alertar a juíza sobre L.,
mas teria ouvido dela que "já tinha dado uma chance a L. e, como havia aprontado novamente, teria que aguardar mais". A
juíza está em férias e não foi localizada pela reportagem.
Foram duas chances documentadas de reverter a situação de L. O delegado-supervisor Fernando da Cunha solicitou à juíza Clarice a transferência no dia 5 de novembro, mas
não houve resposta.
Depois disso, um representante do Centro de Reeducação
Feminino, único presídio para
mulheres do Estado, em Ananindeua, teria contatado L., segundo o depoimento dela, mas
não tomou providências.
O caso explodiu porque L. era
menor e porque um preso se
deu o trabalho de buscar a certidão de nascimento no colégio
Santa Clara para sua denúncia.
No mesmo dia, os conselheiros foram à delegacia, mas não
conseguiram liberá-la. No dia
seguinte, foram informados da
suposta fuga da menina.
L. contou outra história: "foi
retirada do xadrez pelos três
policiais que efetuaram sua
apreensão (...) e que disseram
para ela sumir".
A menor diz que pegaria um
barco para Manaus quando,
três dias depois, os mesmos
três a levaram de volta, com
mais ameaças. Os nomes dos
policiais ainda não surgiram.
A CPI e autoridades do governo federal suspeitam de
ação deliberada contra a menor
L., que vivia em situação de risco. Ela perdeu a virgindade
com 12 anos e vivia nas ruas, alvo de exploração sexual, trabalho infantil e uso de drogas, segundo autoridades federais.
Outros dois delegados, Celso
Iran Viana e Danielle Bentes da
Silva, responsáveis por outros
registros contra L. como maior
de idade, tentaram outra estratégia. No dia 20 de novembro,
buscaram o pai e o tio de L. de
carro e os levaram à Igreja Nossa Sra. da Conceição.
Segundo eles, para retirar
uma certidão que mostraria
que L. seria maior de idade. Segundo o pai, que é analfabeto,
ele queriam intimidá-lo e tentar reverter as acusações. Afirma que foi chamado de "corno"
e ameaçado de prisão.
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