São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"Mais servira, se não fora..."


Na escola nem sempre se ensina que o mais-que-perfeito do indicativo pode ser simples ou composto

NA SEMANA PASSADA, atendendo aos leitores, ampliei a conversa sobre os pretéritos simples do modo indicativo, iniciada há duas semanas. No último texto, tratei de dois desses pretéritos, o imperfeito e o perfeito. Quando o espaço acabou, eu ainda não tinha falado do terceiro, o mais-que-perfeito, cujo nome, aliás, volta e meia suscita comentários a respeito da "estranheza" que causa justamente o fato de ser ele "mais-que-perfeito". "Por que tanta perfeição?", perguntam-me.
Se o caro leitor bem se lembra, na última coluna expliquei que a palavra "perfeito" é o particípio de "perfazer", verbo que, entre outros significados, tem o de "fazer completamente". Quando se diz, por exemplo, que Chico Buarque compôs "A Banda" na década de 60, emprega-se a forma verbal "compôs" (da terceira do singular do pretérito perfeito do indicativo de "compor") porque o processo em questão é perfeito, isto é, está totalmente concluído.
Quando se diz que aos 20 e poucos anos de idade Chico Buarque já compunha obras-primas, emprega-se "compunha" (do pretérito imperfeito do indicativo) porque o processo em questão, contínuo, habitual, corriqueiro, ocorre num passado cujo fim não se estipula, não se define.
Se o pretérito que indica processo totalmente concluído é (por motivos óbvios) o perfeito, aquele que indica fato passado que se repete e cujo fim não se determina é (também por motivos óbvios) o imperfeito.
E o bendito "mais-que-perfeito"? Veja este caso: "Quando cheguei, o menino já tinha conseguido abrir a porta". Qual é a sequência dos fatos? Primeiro eu chego e depois o menino consegue abrir a porta? Ou o menino consegue abrir a porta antes da minha chegada? É mais do que óbvio que a sequência correta é a segunda, não? Em outras palavras, o fato expresso pela locução "tinha conseguido" é anterior ao expresso pela flexão "cheguei".
O caro leitor já sabe que a forma "cheguei" expressa fato pretérito totalmente concluído, num tempo específico, determinado do passado, razão pela qual é do pretérito perfeito. Se já sabemos que o processo expresso por "tinha conseguido" é anterior ao expresso por "cheguei", ou seja, é mais velho do que esse, que é do perfeito... Ora, o que é mais velho do que o perfeito só pode ser "mais-que-perfeito", certo? Como o caro leitor já concluiu, o nome "pretérito mais-que-perfeito" embute uma palavra ("velho", "antigo" etc.).
"Ué! Então "tinha conseguido" é do pretérito mais-que-perfeito? Mas não foi isso que me ensinaram na escola! O que aprendi como mais-que-perfeito é algo como "conseguira", "fora", "beijara", "estivéramos" etc."
Pois é, caro leitor, muita gente deve ter pensado ou dito essa frase. O fato é que na escola nem sempre se ensina que o mais-que-perfeito do indicativo pode ser simples ou composto. A forma simples da primeira e da terceira do singular do pretérito mais-que-perfeito de "conseguir" é "conseguira", que equivale a "tinha (ou "havia') conseguido". Na linguagem oral, é muito mais comum o uso da forma composta do mais-que-perfeito; na escrita, pode-se dizer que a forma composta também predomina, mas a simples nem de longe é pouco comum ou rara.
Por fim, seria muito interessante trocarmos duas palavras sobre os valores paralelos do pretérito mais-que-perfeito, mas o espaço acabou. Como aperitivo, deixo este passo, do monumental Camões: "Mais servira, se não fora/ Para tão longo amor tão curta a vida". É isso.

inculta@uol.com.br


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