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DANUZA LEÃO
O Carnaval ideal
Serão quatro dias inteiros sem fazer nada, e sem celular, que delícia; e ler vários livros ao mesmo tempo
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A MELHOR época para curtir o
Rio é durante o Carnaval.
Mais do que pelos desfiles,
pelos blocos de rua; apenas -apenas?- para desfrutar da cidade numa relativa paz.
É uma delícia; muitos cariocas viajam, os turistas só querem saber de
samba, e até mesmo os assaltantes
costumam dar uma trégua: param
de trabalhar e se dedicam apenas à
folia. O resultado é uma cidade tranqüila, com praias vazias, restaurantes idem e cinemas sem fila, pois
quem passa as noites em claro e
sambando precisa dormir, até porque no dia seguinte a festa continua.
Não há nada melhor do que uma
cidade com todos os confortos da
modernidade, mas sem um só dos
problemas das grandes. Poucos carros nas ruas, pouca gente nas calçadas; é só olhar no jornal para saber
hora e local da saída dos blocos e ir
para o lado oposto -e a pé. Nem
pensar em sair de carro, nesses dias
se pode andar nas ruas com tranquilidade, e até usar um anelzinho, sem
medo de assalto. Serão quatro dias
inteiros sem fazer nada, e sem celular, que delícia; poder passar a agenda de telefones a limpo e ler vários livros ao mesmo tempo, sabendo que
o telefone não vai tocar, é bom demais.
Praia até o meio-dia, depois um almocinho num restaurante da orla, à
tarde um soninho leve, e à noite todos os filmes escolhidos no capricho, para escapar das escolas de
samba. Para usufruir desse imenso
prazer, deve-se ligar a TV, ver a primeira escola desfilar, a segunda, e só
aí, aliviado, começar a sessão de cinema. Lá pelas 3h da manhã, vale ligar a TV mais uma vez, se atordoar com a animação das escolas, e aí
exercer seu sagrado direito de escolha, isto é, desligar a máquina e dormir o sono dos justos, sabendo que amanhã é feriado, terça e quarta
também, e que se está longe desse
insensato mundo. Oh, felicidade.
Mas é bom se preparar; pode
acontecer de, às 7h da noite de hoje,
dar uma aflição e uma vontade louca
de ir ver o desfile. Se isso acontecer,
ligue para aquela amiga que trabalha
no camarote de uma cervejaria e peça uma camiseta pelo amor de Deus.
Ela resolve: amigas são para essas
coisas também. Aí é só botar um tênis, uma flor no cabelo, exagerar na
maquiagem e ir para a avenida, sem
nem lembrar que tenha cogitado,
por um só momento, ficar longe da
festa.
E se alguém ousar te cobrar uma
certa coerência -afinal, você não
disse que não queria nem ouvir falar
de samba?-, responda que faz parte
dos direitos do homem mudar de
opinião, sobretudo quando se está
falando de Carnaval.
E vá, e caia na folia, e torça por sua
escola, e se prepare para o desfile de
amanhã, que você também vai assistir, claro; e se o seu patrão for tão insensível que queira que você trabalhe na Quarta-Feira de Cinzas, mande alguém ligar amanhã cedo dizendo que na quarta vai acordar com febre, porque nada será mais importante nesse dia do que acompanhar
o julgamento das escolas. Seu coração vai parar a cada nota 10 (10, nota
10) que sua escola receber, e se ela
não ganhar é claro que a culpa foi
dos juízes desonestos, mas não há de
ser nada. Porque no próximo sábado
vai ser o desfile das campeãs, e quem
sabe ainda dá tempo para desfilar?
Não se pode confiar em quem
sempre gostou de Carnaval e diz que
mudou, que agora só quer paz e sossego; um ex-carnavalesco é coisa
que não existe -eu, pelo menos, não
conheço.
danuza.leao@uol.com.br
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