São Paulo, quarta-feira, 03 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Quem paga a conta do espaço público?

FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até os anos de 1960, as faculdades da USP espraiavam-se por São Paulo integradas à malha urbana. O melhor exemplo era a Vila Buarque: uspianos alimentavam comércios e serviços e tornavam a vida urbana dinâmica e rica em relacionamentos. Contudo, em nome do progresso, apostou-se na criação de um campus longinquo.
Resistindo a pressões nacionalistas para que os edifícios fossem em estilo neocolonial, venceu o urbanismo moderno: a Cidade Universitária é um fragmento da escola corbusiana que, em linhas gerais, idealizava cidades com prédios isolados em meio ao verde. Por isso, ela é o espaço paulistano que mais lembra Brasília.
Mas o desejo de liberdade modernista esbarrou em pressões dos anos de chumbo. Assim, para o bem ou para o mal, a alma urbanística ficou no papel. Não foi feita, por exemplo, a praça central -proposta por Oswaldo Bratke-, o espaço cívico vital, que agregaria moradias e prédios culturais. Também ficou na gaveta o chamado "corredor das humanas", uma espécie de rua que interligaria seis faculdades.
Resultado: a USP é urbanisticamente apática. Há um ou outro prédio interessante -em prol da liberdade, a faculdade de arquitetura, por exemplo, não tem porta de entrada-, mas estão todos confinados, ensimesmados no verde bucólico.
Se o urbanismo moderno falhou em seus propósitos de criar novas relações humanas, neste caso, não podemos negar que ele nos legou uma imensa e vital área verde, cinco vezes maior do que o Ibirapuera.
Na falta de alternativas, a população a usa para esporte e lazer, como um parque. Esse passivo modernista que a USP herdou tem uma questão não respondida: quem deve arcar com a manutenção da área verde, da limpeza e garantir a segurança?
O foco da USP é o ensino; por isso, diante da violência e dos custos de manutenção, vez ou outra, a direção restringe o uso público. Não vou me surpreender em ver catracas e o acesso negado definitivamente -tal como já ocorre nas privadas.
Para sobreviver, a instituição vergonhosamente dá adeus ao espírito público e as costas para a sociedade. Em um futuro próximo -se não houver um acordo entre o governo e a universidade sobre quem paga a fatura-, vai ser mais difícil entrar na USP para correr do que passando no vestibular.

FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e urbanista e editor-executivo da revista "Projeto Design"



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