São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Bioquímico americano acusa indústria do cigarro de ter ameaçado suas filhas

DA REPORTAGEM LOCAL

O caso mais famoso de espionagem da indústria do cigarro ocorreu nos EUA com o bioquímico Jeffrey Wigand. Ele havia chegado a vice-presidente da Brown & Williamson, uma empresa que pertence à BAT, como a Souza Cruz, mas saiu porque não concordava com o desinteresse por uma pesquisa que buscava um cigarro mais seguro. Perdeu um emprego no qual ganhava US$ 300 mil por ano e foi dar aulas numa escola pública -seus ganhos caíram a um décimo do salário anterior. Wigand passou por tantos percalços que sua história virou filme, "O Informante" (1999), no qual Russell Crowe interpreta o bioquímico.
Depois de testemunhar sobre as fraudes da indústria do tabaco, a vida de Wigand virou um inferno, segundo ele. Enviaram balas de revólver para a sua caixa de correio e ameaçaram machucar suas duas filhas, como ele contou em entrevista à Folha. Hoje, ele faz parte da organização Smoke-Free Kids (Crianças Livres de Fumaça). (MCC)  

FOLHA - Como o sr. percebeu que a Brown & Williamson estava espionando a sua vida?
JEFFREY WIGAND
- Eu não tinha notado que eles estavam me espionando até que pessoas com quem eu tinha trabalhado me contaram que um grupo de investigadores de Nova York estava perguntando sobre meus trabalhos anteriores, minha faculdade. Isso resultou em um dossiê de 500 páginas, preparado por um dos mais prestigiados escritórios de advocacia do país e um publicitário famoso.
Esse dossiê foi distribuído para os principais jornais e redes de TV para tentar fazer com que a opinião pública não acreditasse no testemunho que eu dei na Justiça contra a Brown & Williamson.
Felizmente, o "Wall Street Journal" não acreditou nas acusações contra mim que havia no dossiê e publicou uma reportagem em que rebatia o conteúdo daqueles documentos e dizia que havia ali uma campanha de difamação. O publicitário John Scanlon [que ajudou no dossiê] foi acusado na Justiça de tentar intimidar uma testemunha federal.
Eu não tive tanta sorte com jornais menores e emissoras locais de TV, que falaram do dossiê sem checar o conteúdo. A B&W tem controle sobre os jornais menores e as TV locais.

FOLHA - Qual foi a conseqüência da espionagem no seu cotidiano?
WIGAND
- Eu tive que arrumar dois ex-guarda-costas do serviço secreto para acompanharem todos os meus movimentos. Eles vasculhavam o meu carro de manhã cedo, abriam minha sala de aula, pegavam minhas filhas na escola e abriam toda a minha correspondência.

FOLHA - É verdade que eles ameaçaram as suas filhas?
WIGAND
- A primeira ameaça ocorreu em abril de 1994. Eles fizeram ameaças verbais por telefone quando eu estava falando com integrantes do Congresso. Em janeiro de 1996, alguém colocou uma bala de revólver na minha caixa de correio. Ambas as ameaças eram dirigidas às minhas crianças. Isso mostra que a indústria do cigarro poderia fazer qualquer coisa para me silenciar.

FOLHA - O que mudou na sua vida após a espionagem?
WIGAND
- Tudo mudou. Eu passei por um divórcio. Eu me tornei "um mentiroso e um mestre da enganação" , como eles diziam, contra a indústria do cigarro. Me provocavam na rua, me insultavam. A espionagem continua até hoje. Os escritórios de advocacia que eu testemunhei contra usam documentos falsos para tentar ter acesso às minhas informações pessoais ou médicas.


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