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Bioquímico americano acusa indústria do cigarro de ter ameaçado suas filhas
DA REPORTAGEM LOCAL
O caso mais famoso de espionagem da indústria do cigarro
ocorreu nos EUA com o bioquímico Jeffrey Wigand. Ele havia
chegado a vice-presidente da
Brown & Williamson, uma empresa que pertence à BAT, como a Souza Cruz, mas saiu porque não concordava com o desinteresse por uma pesquisa
que buscava um cigarro mais
seguro. Perdeu um emprego no
qual ganhava US$ 300 mil por
ano e foi dar aulas numa escola
pública -seus ganhos caíram a
um décimo do salário anterior.
Wigand passou por tantos
percalços que sua história virou
filme, "O Informante" (1999),
no qual Russell Crowe interpreta o bioquímico.
Depois de testemunhar sobre as fraudes da indústria do
tabaco, a vida de Wigand virou
um inferno, segundo ele. Enviaram balas de revólver para a
sua caixa de correio e ameaçaram machucar suas duas filhas,
como ele contou em entrevista
à Folha. Hoje, ele faz parte da
organização Smoke-Free Kids
(Crianças Livres de Fumaça).
(MCC)
FOLHA - Como o sr. percebeu que a
Brown & Williamson estava espionando a sua vida?
JEFFREY WIGAND - Eu não tinha
notado que eles estavam me espionando até que pessoas com
quem eu tinha trabalhado me
contaram que um grupo de investigadores de Nova York estava perguntando sobre meus
trabalhos anteriores, minha faculdade.
Isso resultou em um dossiê
de 500 páginas, preparado por
um dos mais prestigiados escritórios de advocacia do país e
um publicitário famoso.
Esse dossiê foi distribuído
para os principais jornais e redes de TV para tentar fazer com
que a opinião pública não acreditasse no testemunho que eu
dei na Justiça contra a Brown &
Williamson.
Felizmente, o "Wall Street
Journal" não acreditou nas
acusações contra mim que havia no dossiê e publicou uma
reportagem em que rebatia o
conteúdo daqueles documentos e dizia que havia ali uma
campanha de difamação. O publicitário John Scanlon [que
ajudou no dossiê] foi acusado
na Justiça de tentar intimidar
uma testemunha federal.
Eu não tive tanta sorte com
jornais menores e emissoras locais de TV, que falaram do dossiê sem checar o conteúdo. A
B&W tem controle sobre os
jornais menores e as TV locais.
FOLHA - Qual foi a conseqüência da
espionagem no seu cotidiano?
WIGAND - Eu tive que arrumar
dois ex-guarda-costas do serviço secreto para acompanharem
todos os meus movimentos.
Eles vasculhavam o meu carro
de manhã cedo, abriam minha
sala de aula, pegavam minhas
filhas na escola e abriam toda a
minha correspondência.
FOLHA - É verdade que eles ameaçaram as suas filhas?
WIGAND - A primeira ameaça
ocorreu em abril de 1994. Eles
fizeram ameaças verbais por
telefone quando eu estava falando com integrantes do Congresso.
Em janeiro de 1996, alguém
colocou uma bala de revólver
na minha caixa de correio. Ambas as ameaças eram dirigidas
às minhas crianças. Isso mostra
que a indústria do cigarro poderia fazer qualquer coisa para
me silenciar.
FOLHA - O que mudou na sua vida
após a espionagem?
WIGAND - Tudo mudou. Eu
passei por um divórcio. Eu me
tornei "um mentiroso e um
mestre da enganação" , como
eles diziam, contra a indústria
do cigarro. Me provocavam na
rua, me insultavam. A espionagem continua até hoje. Os escritórios de advocacia que eu
testemunhei contra usam documentos falsos para tentar ter
acesso às minhas informações
pessoais ou médicas.
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