São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

À espera do próximo ministro do Supremo

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Lula da Silva nomeará proximamente mais um ministro do Supremo Tribunal Federal. A discussão de saber se nomeação de um juiz para a mais alta corte de Justiça do país deve ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo é retomada. Os críticos admitem que o escolhido possa sentir-se obrigado a retribuir a nomeação, anuindo aos pedidos do presidente da República. A crítica não procede, embora a história refira apelidos de ministros do Supremo, chamados de representantes do governo pela malícia popular.
A escolha do novo ministro envolve cidadãos sujeitos a limites previstos pela Carta Magna. Idade mínima: 35 anos. Idade máxima: 65 anos. Qualidades pessoais: notável saber jurídico e reputação ilibada. Este último critério também desperta críticas pelas dificuldades de definir "notável saber jurídico". Os característicos da reputação ilibada não são seguros, mas é possível pelo menos confirmar se alguém cumpre seus compromissos, não é caloteiro, age como bom pai de família e assim por diante. A avaliação seria aceitável se a maioria absoluta do Senado Federal bem cumprisse a missão de, ao aprovar o nomeado pelo presidente da República, verificasse suas qualidades objetivamente. Não cumpre. A ouvida do candidato acaba sendo uma conversa entre amigos.
A história do Supremo Tribunal Federal sugere que, apesar das críticas, tem havido boas escolhas. As exceções são poucas. A seleção não é fácil. O membro do Supremo não é apenas magistrado, mas também estadista, apto a compreender a realidade jurídica examinada com a consciência social dos efeitos de suas decisões.
O sistema brasileiro parece melhor que o dos Estados Unidos. Lá a nomeação é vitalícia, sem limite de idade. Aqui a aposentadoria obrigatória se aplica aos 70 anos. Lá os senadores são severos na avaliação, mas surgem dúvidas, de vez em quando, sobre a conduta dos novos "justices", nome equivalente ao de ministro no Brasil. A comunidade jurídica estadunidense comenta o caso atual do "justice" Antonin Scalia, que, podendo vir a julgar questão da empresa Halliburton, em que o vice-presidente Dick Cheney tem interesses, aceitou ir caçar patos com ele numa propriedade agrícola, para a qual viajou em avião da Força Aérea de seu país juntamente com a família. Sem gastar um centavo.
Scalia não viu nada de mais na viagem e na caçada, conforme nota de 21 páginas que divulgou. Uma de suas frases pode ser invocada pelos críticos brasileiros. Escreveu o magistrado norte-americano: "Muitos juízes chegaram a este tribunal precisamente porque eram amigos do presidente em exercício na época ou de outras autoridades de alto nível". A explicação é ruim, pois, como escreveu Maureen Dowd no "New York Times", fica parecendo que a nomeação é, quase sempre, uma troca de favores. Lá como cá, o juiz da corte constitucional deve ser como a mulher de César. Não basta ser honesto. Também deve parecer honesto. Nos tempos de hoje, da comunicação instantânea e do gosto da mídia pelo que há de pior no ser humano, nenhuma concessão é permitida. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal do Brasil tem dignificado sua nobre função. E -ainda bem- os nomes dos nomeados recentes e dos candidatos à próxima nomeação são de gente da melhor qualidade.


Texto Anterior: Eldorado recebe 61 mil por dia
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.