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LETRAS JURÍDICAS
À espera do próximo ministro do Supremo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Lula da Silva nomeará proximamente
mais um ministro do Supremo
Tribunal Federal. A discussão de
saber se nomeação de um juiz para a mais alta corte de Justiça do
país deve ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo é retomada. Os críticos admitem que o escolhido possa sentir-se obrigado a
retribuir a nomeação, anuindo
aos pedidos do presidente da República. A crítica não procede,
embora a história refira apelidos
de ministros do Supremo, chamados de representantes do governo
pela malícia popular.
A escolha do novo ministro envolve cidadãos sujeitos a limites
previstos pela Carta Magna. Idade mínima: 35 anos. Idade máxima: 65 anos. Qualidades pessoais:
notável saber jurídico e reputação
ilibada. Este último critério também desperta críticas pelas dificuldades de definir "notável saber
jurídico". Os característicos da reputação ilibada não são seguros,
mas é possível pelo menos confirmar se alguém cumpre seus compromissos, não é caloteiro, age como bom pai de família e assim
por diante. A avaliação seria
aceitável se a maioria absoluta do
Senado Federal bem cumprisse a
missão de, ao aprovar o nomeado
pelo presidente da República, verificasse suas qualidades objetivamente. Não cumpre. A ouvida do
candidato acaba sendo uma conversa entre amigos.
A história do Supremo Tribunal
Federal sugere que, apesar das
críticas, tem havido boas escolhas.
As exceções são poucas. A seleção
não é fácil. O membro do Supremo não é apenas magistrado,
mas também estadista, apto a
compreender a realidade jurídica
examinada com a consciência social dos efeitos de suas decisões.
O sistema brasileiro parece melhor que o dos Estados Unidos. Lá
a nomeação é vitalícia, sem limite
de idade. Aqui a aposentadoria
obrigatória se aplica aos 70 anos.
Lá os senadores são severos na
avaliação, mas surgem dúvidas,
de vez em quando, sobre a conduta dos novos "justices", nome
equivalente ao de ministro no
Brasil. A comunidade jurídica estadunidense comenta o caso
atual do "justice" Antonin Scalia,
que, podendo vir a julgar questão
da empresa Halliburton, em que
o vice-presidente Dick Cheney
tem interesses, aceitou ir caçar
patos com ele numa propriedade
agrícola, para a qual viajou em
avião da Força Aérea de seu país
juntamente com a família. Sem
gastar um centavo.
Scalia não viu nada de mais na
viagem e na caçada, conforme
nota de 21 páginas que divulgou.
Uma de suas frases pode ser invocada pelos críticos brasileiros. Escreveu o magistrado norte-americano: "Muitos juízes chegaram a
este tribunal precisamente porque eram amigos do presidente
em exercício na época ou de outras autoridades de alto nível". A
explicação é ruim, pois, como escreveu Maureen Dowd no "New
York Times", fica parecendo que
a nomeação é, quase sempre,
uma troca de favores. Lá como cá,
o juiz da corte constitucional deve
ser como a mulher de César. Não
basta ser honesto. Também deve
parecer honesto. Nos tempos de
hoje, da comunicação instantânea e do gosto da mídia pelo que
há de pior no ser humano, nenhuma concessão é permitida. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal do Brasil tem dignificado sua
nobre função. E -ainda bem-
os nomes dos nomeados recentes
e dos candidatos à próxima nomeação são de gente da melhor
qualidade.
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