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PASQUALE CIPRO NETO
"Uma vez que ele ganhe um aspecto distinto..."
A decoreba pode armar muitas camas-de-gato,
cujas vítimas são sempre
os próprios "decorebistas"
NA PROVA DE 2008 da UFSCar,
encontra-se este texto de
Eduardo Giannetti ("Auto-Engano"), do qual destaco esta passagem: "Sob a ótica do senso comum, conhecimento tem a ver com
familiaridade. (...) Se você está acostumado com alguma coisa (...), então
você pode dizer que a conhece. O
desconhecido, por oposição, é o estranho. O grau de conhecimento,
nessa perspectiva, é função do grau
de familiaridade: quanto mais familiar, mais conhecido. (...) Mas, se o
objeto (...) ganha um aspecto distinto ou se comporta de modo diferente daquele a que estou habituado,
perco a segurança que tinha e...".
Uma das questões pedia ao candidato que assinalasse a alternativa
que mantém o sentido e a construção sintática do trecho "se ele ganha
um aspecto distinto, perco a segurança que tinha". As alternativas
eram estas: "a) Embora ele ganhe
um aspecto distinto, perco...; b) Mas
ele ganha um aspecto distinto, aí
perco...; c) Ele ganha, contudo, um
aspecto distinto, e perco...; d) À medida que ele ganha um aspecto distinto, perco...; e) Uma vez que ele ganhe um aspecto distinto, perco...".
Volte ao fragmento de Giannetti,
por favor, e localize no texto e no
contexto a passagem que deve ser
reescrita. É cabível ver esse "se" com
o valor de "caso", ou seja, com matiz
condicional ("Mas, caso o objeto ganhe um aspecto distinto, perco...").
Essa análise talvez já baste para o
candidato eliminar de bate-pronto
as alternativas "a", "b" e "c", nas
quais se estabelece nexo de contraste, oposição (na "a", com o conectivo
"embora"; na "b" e na "c", com "mas"
e "contudo", respectivamente).
Cabe lembrar que nessa passagem
do texto de Giannetti existe oposição, sim, mas... Mas é aí que entra a
leitura atenta. Quando Giannetti diz
"...mas, se o objeto ganha um aspecto distinto, perco a segurança que tinha", o nexo de oposição que se inicia com a conjunção "mas" se conclui em "perco a segurança que tinha". A passagem original de Giannetti equivale a "mas perco a segurança que tinha se o objeto ganha
um aspecto distinto". Note que,
quando se põe a oração "se o objeto
ganha um aspecto distinto" dentro
da que começa com "mas", ocorre a
virgulação dupla ("Mas, se o objeto
ganha [...] distinto, perco..."). Nesse
caso e nos afins, as vírgulas (duplas, insisto) funcionam como condutor do fio que vai ligando os termos e as orações do período.
Mas voltemos à questão. Temos
de reescrever a passagem destacada ("Se ele ganha um aspecto distinto, perco a segurança") mantendo o sentido e a construção sintática, o que, no caso, significa manter
o nexo condicional. Pois é aí que a
decoreba pode armar uma cama-de-gato, cuja vítima é o próprio
"decorebista". Tradução: quem se
põe a memorizar as conjunções e
as locuções e suas respectivas
"classificações" ("se" é isto, "uma
vez que" é aquilo, "como" é aquilo
outro) está a um passo do cadafalso
em questões como a da UFSCar.
Na resposta correta ("Uma vez
que ele ganhe um aspecto distinto,
perco..."), ocorre a locução "uma
vez que", freqüentemente usada
com valor causal (com o verbo no
indicativo -"Não irei, uma vez que
não fui convidado"). Na resposta, o
verbo está no subjuntivo ("Uma
vez que ele ganhe..."), o que estabelece o nexo condicional. É isso.
inculta@uol.com.br
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