São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2010

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Nordeste e Norte do país recorrem a médico "ilegal"

Profissional sem registro no Brasil é aceito no interior

FELIPE BÄCHTOLD
DA AGÊNCIA FOLHA

Com uma proporção de médicos inferior à de países africanos em algumas regiões, Estados do Norte e do Nordeste sofrem para atrair profissionais para trabalhar no interior e até cometem irregularidades.
No Acre, por exemplo, o Ministério Público chegou a "autorizar", por meio de um acordo, duas cidades a continuar empregando médicos sem registro no CRM (Conselho Regional de Medicina), formados em outros países, como Cuba.
De acordo com levantamento do Conselho Federal de Medicina, o interior de Roraima possui um médico para cada 10 mil habitantes, índice pior que o de Guiné-Bissau, na África.
Poucos médicos se interessam por postos de trabalho em localidades afastadas de grandes centros, com escassa estrutura de trabalho e, frequentemente, instabilidade política. Nem salários de R$ 16 mil ao mês são suficientes. De acordo com o conselho, na maioria dos Estados a maior parte dos médicos se concentra nas capitais.
Na Bahia, com mais vagas do que profissionais disponíveis, as prefeituras fazem "concorrência predatória" por médicos, de acordo com a Fundação Estatal Saúde da Família, criada por municípios para solucionar o problema.
"Oferecendo R$ 200, R$ 500 a mais, [a prefeitura] tira um médico de um lugar e leva para outro", afirma o diretor do órgão, Hêider Pinto.
Segundo ele, outro "atrativo" criado pelos municípios para compensar a transferência a uma localidade afastada é diminuir clandestinamente a carga de trabalho abaixo da prevista no Programa Saúde da Família, do governo federal.
No Piauí, uma irregularidade comum é um mesmo médico trabalhar em até quatro municípios ao mesmo tempo para atender à demanda.

Diploma no exterior
Com 7.500 habitantes, o município acriano de Manoel Urbano (226 km de Rio Branco) tem quatro médicos. Dois são brasileiros formados em Cuba.
Sem diploma revalidado no Brasil, o que legalizaria sua situação, esses profissionais não poderiam exercer a medicina, mas são contratados de modo informal pela cidade, ganhando R$ 5.500 ao mês.
O Ministério Público do Estado soube do caso, que ocorre também na cidade de Porto Acre, e decidiu dar um prazo de sete meses para que a situação seja regularizada.
A Promotoria, por meio de sua assessoria, disse que fixou o período porque "a população não pode ficar sem médico". Mas se comprometeu com o CRM a não repetir a estratégia em outras cidades.
O secretário da Saúde de Manoel Urbano, Eduardo Santos, diz que a cidade não tem outra opção e que o trabalho de médicos irregulares é só na orientação e em "coisas simples". "Coisas mais complexas passam por médicos com CRM."
No Amazonas, o conselho já soube de quatro casos de médicos sem CRM neste ano.
No Tocantins, fiscalização de 2007 mostrou que quase metade dos 48 municípios verificados tinha médicos ilegais. O conselho local diz que a situação já foi contornada.
O ex-secretário da Saúde do Piauí, Assis Carvalho, que deixou o cargo em março, diz que os alunos de medicina são formados no país só para trabalhar com especialidades, o que prejudica a oferta de mão de obra.
"Ninguém quer trabalhar com a prevenção, com a saúde da família", afirma Carvalho.


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