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General no Haiti se espanta com mortes no RJ
Confrontos após ocupação da PM no Alemão mataram 17 pessoas em um mês; operação da ONU fez 27 vítimas em 3 anos
"São números muito altos, Nossa Senhora, é um índice bem alto", afirma Carlos Alberto dos Santos Cruz, ao ser informado das vítimas
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
O número de mortos e feridos nos confrontos entre a Polícia Militar e traficantes do
Complexo do Alemão, iniciados há um mês, impressionou o
general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, comandante militar da Missão das Nações
Unidas para a Estabilização do
Haiti (Minustah). Ele está de licença no Brasil e concedeu entrevista à Folha por telefone.
No Haiti desde janeiro, o general, que comanda 7.036 militares de tropas de 18 países representando a ONU, não estava a par dos conflitos no Rio e
se surpreendeu quando a reportagem lhe relatou a morte
de 17 pessoas (um policial, três
inocentes e 13 supostos traficantes, segundo a polícia) e o
número de 58 feridos no Complexo do Alemão.
"Nossa, essa realidade...Não
sabia que estava nesse pé, é
muita coisa! São números muito altos, Nossa Senhora, é um
índice bem alto", disse.
Desde o início da missão de
Paz, em 1º de junho de 2004, 16
capacetes azuis da ONU já foram mortos por grupos armados, além de três policiais, cinco funcionários civis internacionais e três locais -27 pessoas. A Minustah não informou
o número de baixas entre rebeldes e civis no Haiti.
Organizações de direitos humanos, no entanto, afirmam
que as mortes de civis no Haiti,
em confronto com as tropas da
ONU, passam de cem.
A pergunta é de uma lógica
militar. Se fosse no Haiti, o Alemão seria uma "zona vermelha", de risco -onde se deve
andar de capacete, colete à prova de balas e veículo blindado.
Depois de três anos de missão e muitos combates, os militares da ONU já patrulham em
carros abertos Cité Soleil, a antes mais violenta favela da capital, Porto Príncipe, em carros
abertos, não mais em blindados, como no início da ação.
As estratégias dos traficantes
do Rio se sofisticam e se aproximam daquelas usadas no
Haiti, onde ex-militares integram grupos armados. O uso de
barricadas com carros, trilhos
de trem fincados nas ruas, valas e graxa para impedir o trânsito da polícia são, diz ele, "uma
evolução". "A demora faz com
que o pessoal [criminoso] crie
determinadas adaptações."
A serviço da ONU, Santos
Cruz evita analisar a ação da
polícia fluminense, que elogia
como instituição, e não quer
comentar como seria eventual
operação do Exército no Rio.
Só diz que os equipamentos
para uma operação militar nessas circunstâncias são basicamente os mesmos usados pela
PM: blindados, fuzis e helicópteros - "elemento importante"-, com imagens em tempo
real de dia ou à noite e "ponte"
para comunicações. Mas pede
medidas complementares.
Para Santos Cruz, os riscos
de "efeitos colaterais" -definição militar para mortes e feridos entre inocentes e destruição de patrimônio- em ações
como a da polícia só podem ser
evitados com forte conscientização e treinamento da tropa.
"Nisso, as regras de engajamento ajudam muito, e o treinamento é fundamental. Conscientização e treinamento -é
preciso massificar as idéias e
treinar para pôr na cabeça das
pessoas e ser cuidadoso. Porque é uma situação difícil para
o sujeito, quando a vida está em
risco. Se não tiver bem massificada, é um problema."
A Folha esteve no Haiti e
acompanhou operações das
tropas da ONU. Em março,
após dois anos e nove meses de
missão, os capacetes azuis tomaram por completo a maior
favela de Porto Príncipe, Cité
Soleil, 300 mil habitantes.
Os militares cumprem mandato de Paz da ONU e seguem
regras de engajamento rígidas,
muito mais restritas do que as
que utilizariam em uma guerra.
Esses regulamentos, criados
para tentar minimizar mortes
de civis, prevêem o uso proporcional da força (não utilizar canhões para combater fuzis) e
ainda só atirar em pessoas armadas e em alvos claramente
identificados. A tropa estava
afinada no discurso sobre cautela no uso da força.
Em comboios de até 38 blindados Urutu, com fuzis e protegidos por coletes à prova de balas, apoio de helicópteros e mapas de satélite, os soldados entram nas favelas haitianas, onde participaram de intensos tiroteios com grupos armados.
"O grande problema das áreas
urbanas são os danos colaterais. Na favela, a população é
densa, são casas pequenas, becos estreitos. As forças de segurança estão certas em serem
cuidadosas. A população do
Alemão [65.026, segundo o IBGE, 130 mil, segundo o governo
do Rio] é a de uma pequena cidade. O bandido é covarde por
natureza e tira vantagem da
presença de inocentes."
No Haiti, o procedimento padrão é, uma vez tomada uma
área, estabelecer "pontos-fortes", espécies de quartéis-generais provisórios em locais estratégicos, com predominância
militar (pontos de observação
privilegiados), de onde saem
patrulhas, para evitar a reorganização criminosa.
"É necessário estudar [o uso
de pontos-fortes em favelas do
Rio]. É uma situação bem diferente no Haiti. A tropa vai lá
com a finalidade específica. Se
tiver que ficar seis meses naquela posição, vai ficar."
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