São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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General no Haiti se espanta com mortes no RJ

Confrontos após ocupação da PM no Alemão mataram 17 pessoas em um mês; operação da ONU fez 27 vítimas em 3 anos

"São números muito altos, Nossa Senhora, é um índice bem alto", afirma Carlos Alberto dos Santos Cruz, ao ser informado das vítimas

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

O número de mortos e feridos nos confrontos entre a Polícia Militar e traficantes do Complexo do Alemão, iniciados há um mês, impressionou o general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, comandante militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). Ele está de licença no Brasil e concedeu entrevista à Folha por telefone.
No Haiti desde janeiro, o general, que comanda 7.036 militares de tropas de 18 países representando a ONU, não estava a par dos conflitos no Rio e se surpreendeu quando a reportagem lhe relatou a morte de 17 pessoas (um policial, três inocentes e 13 supostos traficantes, segundo a polícia) e o número de 58 feridos no Complexo do Alemão.
"Nossa, essa realidade...Não sabia que estava nesse pé, é muita coisa! São números muito altos, Nossa Senhora, é um índice bem alto", disse.
Desde o início da missão de Paz, em 1º de junho de 2004, 16 capacetes azuis da ONU já foram mortos por grupos armados, além de três policiais, cinco funcionários civis internacionais e três locais -27 pessoas. A Minustah não informou o número de baixas entre rebeldes e civis no Haiti.
Organizações de direitos humanos, no entanto, afirmam que as mortes de civis no Haiti, em confronto com as tropas da ONU, passam de cem.
A pergunta é de uma lógica militar. Se fosse no Haiti, o Alemão seria uma "zona vermelha", de risco -onde se deve andar de capacete, colete à prova de balas e veículo blindado.
Depois de três anos de missão e muitos combates, os militares da ONU já patrulham em carros abertos Cité Soleil, a antes mais violenta favela da capital, Porto Príncipe, em carros abertos, não mais em blindados, como no início da ação.
As estratégias dos traficantes do Rio se sofisticam e se aproximam daquelas usadas no Haiti, onde ex-militares integram grupos armados. O uso de barricadas com carros, trilhos de trem fincados nas ruas, valas e graxa para impedir o trânsito da polícia são, diz ele, "uma evolução". "A demora faz com que o pessoal [criminoso] crie determinadas adaptações."
A serviço da ONU, Santos Cruz evita analisar a ação da polícia fluminense, que elogia como instituição, e não quer comentar como seria eventual operação do Exército no Rio.
Só diz que os equipamentos para uma operação militar nessas circunstâncias são basicamente os mesmos usados pela PM: blindados, fuzis e helicópteros - "elemento importante"-, com imagens em tempo real de dia ou à noite e "ponte" para comunicações. Mas pede medidas complementares.
Para Santos Cruz, os riscos de "efeitos colaterais" -definição militar para mortes e feridos entre inocentes e destruição de patrimônio- em ações como a da polícia só podem ser evitados com forte conscientização e treinamento da tropa.
"Nisso, as regras de engajamento ajudam muito, e o treinamento é fundamental. Conscientização e treinamento -é preciso massificar as idéias e treinar para pôr na cabeça das pessoas e ser cuidadoso. Porque é uma situação difícil para o sujeito, quando a vida está em risco. Se não tiver bem massificada, é um problema."
A Folha esteve no Haiti e acompanhou operações das tropas da ONU. Em março, após dois anos e nove meses de missão, os capacetes azuis tomaram por completo a maior favela de Porto Príncipe, Cité Soleil, 300 mil habitantes.
Os militares cumprem mandato de Paz da ONU e seguem regras de engajamento rígidas, muito mais restritas do que as que utilizariam em uma guerra.
Esses regulamentos, criados para tentar minimizar mortes de civis, prevêem o uso proporcional da força (não utilizar canhões para combater fuzis) e ainda só atirar em pessoas armadas e em alvos claramente identificados. A tropa estava afinada no discurso sobre cautela no uso da força.
Em comboios de até 38 blindados Urutu, com fuzis e protegidos por coletes à prova de balas, apoio de helicópteros e mapas de satélite, os soldados entram nas favelas haitianas, onde participaram de intensos tiroteios com grupos armados. "O grande problema das áreas urbanas são os danos colaterais. Na favela, a população é densa, são casas pequenas, becos estreitos. As forças de segurança estão certas em serem cuidadosas. A população do Alemão [65.026, segundo o IBGE, 130 mil, segundo o governo do Rio] é a de uma pequena cidade. O bandido é covarde por natureza e tira vantagem da presença de inocentes."
No Haiti, o procedimento padrão é, uma vez tomada uma área, estabelecer "pontos-fortes", espécies de quartéis-generais provisórios em locais estratégicos, com predominância militar (pontos de observação privilegiados), de onde saem patrulhas, para evitar a reorganização criminosa.
"É necessário estudar [o uso de pontos-fortes em favelas do Rio]. É uma situação bem diferente no Haiti. A tropa vai lá com a finalidade específica. Se tiver que ficar seis meses naquela posição, vai ficar."


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