São Paulo, quarta-feira, 03 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRAGÉDIA NO ATLÂNTICO

Modelo teve 2 panes na Austrália em 2008

Em um dos incidentes, o computador desligou o piloto automático e fez o avião realizar manobras bruscas para cima e para baixo

Esse histórico técnico, ligado às hipóteses sobre a tempestade enfrentada pelo voo da Air France, gera nova linha de especulação


IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No campo das especulações sobre o que pode ter ocorrido ao voo AF 447, a análise do histórico de problemas técnicos recentes envolvendo o Airbus-330 destaca um defeito de computador que já ocorreu anteriormente com modelos semelhantes que poderia comprometer o controle do avião.
Naturalmente, assim como o comentado fator meteorológico, é apenas uma suposição de fator contribuinte para o acidente -raramente aviões caem por motivos únicos, exceto em casos como atentados.
Isso dito, dois incidentes com Airbus-330 da empresa australiana Qantas no ano passado poderiam, em hipótese, associar-se a outros fatores como causa do acidente.
Em ambos os casos, um instrumento chamado Adiru (sigla inglesa para Unidade de Dados Aéreos de Referência Inercial) "enlouqueceu" e passou dados errados de ângulo de voo, velocidade e altitude para o computador principal.

Panes
No primeiro incidente, ocorrido num voo de cruzeiro entre Perth e Cingapura em 7 de outubro, o computador desligou o piloto automático e jogou o avião para cima, por entender que ele estava descendo rapidamente. Depois, jogou-o de bico para baixo por entender que o ângulo de subida estava perigoso, podendo levar o avião a perder sustentação.
Setenta e quatro dos 313 passageiros saíram feridos, mas o avião conseguiu pousar. Diferentemente do AF 447, não estava no meio de uma tempestade violenta, onde recuperar o controle seria mais difícil.
No segundo caso, ocorrido na mesma rota em 27 de dezembro, o painel indicou a falha e o piloto automático foi desligado, mas os pilotos perceberam o problema a tempo.

Alerta
Segundo a FAA (Administração Federal de Aviação), órgão que regulamenta o setor nos EUA e estipula padrões que são seguidos no mundo todo, o problema pode levar "à perda de controle do avião". Em 5 de março, a FAA emitiu uma ordem sobre o caso para a família Airbus-330 e 340, inclusive o modelo A-330/200 igual ao avião acidentado.
A ordem, chamada Diretiva de Aeronavegabilidade, é um alerta para problemas que são relatados por investigações de acidentes, incidentes, testes e manutenções. É feita uma apuração sobre a falha, em conjunto com empresas e fabricantes, e indicam soluções.
O problema ocorre quando o sistema IR (altitude do solo) apresenta falha, "enlouquecendo" um subsistema do Adiru chamado ADR-1. A solução é a mesma que foi definida pela Airbus: desligar o IR e o ADR-1. A questão é que é preciso que o piloto note o sinal de falha no IR, indicado só por um pequeno sinal luminoso de desligado -o que não ocorreu no primeiro incidente da Qantas, quando os pilotos alegaram ter sido pegos de surpresa.
É impossível saber o que aconteceu neste momento. "É muito cedo", disse à Folha o engenheiro aerospacial que assina a diretiva, Vladimir Ulyanov, antes de se desculpar por não comentar o caso.

Dados técnicos
O único dado técnico conhecido do acidente não está sendo tratado abertamente pela Air France, que informou que às 23h14 do domingo o avião emitiu uma mensagem automática de despressurização e pane elétrica. Foi o último sinal do voo, por meio do sistema Acars de mensagens de texto, que informa dados aos técnicos da empresa imediatamente.
Ocorre que ontem um porta-voz da empresa falou em "dezenas" de mensagens, indicando falhas diversas. A revista virtual "Aviation Herald" sugeriu ontem, sem revelar sua fonte, que as mensagens na realidade começaram a aparecer às 23h10, justamente com o piloto automático sendo desligado.
Na sequência, teria sido informada a perda do Adiru e seu sistema de "back-up". A última mensagem, essa sim das 23h14, indicaria alarme de velocidade vertical -ou seja, queda.
Nada disso é verificável no momento, até porque a Air France trabalha sob as estritas leis francesas de divulgação de dados de acidentes aeronáuticos. Certamente ela possui mais dados, mas o sistema Acars não traz uma radiografia tão detalhada do avião quanto a caixa-preta de dados.
As mais recentes das 204 diretivas da FAA sobre a família Airbus-330 relatam também problemas na fuselagem, que pode apresentar rachaduras.
A mais recente foi editada dois dias antes do acidente e fala de uma área a ser inspecionada na junção da quilha da fuselagem com o bloco das asas. Mas associar tais fragilidades ao efeito de uma turbulência devastadora é precipitação.
Esses alertas são comuns para todos os tipos de avião, e quase sempre são preventivos e têm longo prazo para implementação. São como os alertas mais assustadores de bulas de remédios, e têm o mesmo objetivo: evitar acidentes.


Texto Anterior: Há 50 Anos
Próximo Texto: "País que acha petróleo, acha avião", diz Lula
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.