São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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SAÚDE
Encontro discute formas de reduzir índices crescentes de mortes no parto; para especialista, 90% são evitáveis
Mortalidade materna cresce em São Paulo

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

A cada três dias, uma mulher morre em São Paulo em consequência da gravidez. São 61 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos. O índice é vinte vezes maior que o da Holanda e dez vezes superior ao da Comunidade Européia.
Em 1997 -último dado oficial "fechado"- ocorreram 133 mortes maternas na cidade de São Paulo. "É um escândalo, porque 90% dessas mortes são previsíveis e evitáveis", diz a médica Maria José de Oliveira Araujo, especializada em saúde materno-infantil.
Entre 1996 e 1997, o coeficiente de mortalidade materna em São Paulo aumentou em 20,07%.
Mortes maternas são aquelas relacionadas direta ou indiretamente com a gestação e que ocorrem até o 42º dia após o parto ou aborto. O coeficiente é a relação entre o número de mulheres mortas a cada 100 mil crianças nascidas vivas. No Brasil como um todo, o índice admitido pelo Ministério da Saúde está por volta de 90 mortes por 100 mil nascidos vivos.
Este coeficiente é considerado o indicador mais preciso das condições de vida das mulheres e da qualidade dos serviços de saúde.
Para mudar este quadro, não seriam necessários grandes investimentos, dizem os especialistas, apenas melhor qualidade. "Muitas mulheres fazem as seis visitas médicas do pré-natal sem que verifiquem sua pressão arterial", afirma a médica Sara Sorrentino, que até março passado dirigiu o programa de saúde da mulher da Secretaria de Estado da Saúde.
A pressão arterial na gravidez, ou eclâmpsia, é a principal causa de morte materna (cerca de 15%), seguida das hemorragias e complicações do aborto.
O tema "Morte Materna, uma tragédia evitável" foi discutido ontem em evento organizado pelo Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde pela passagem do Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, comemorado dia 28.
"O Estado, as instituições e os médicos precisam ser responsabilizados judicialmente por muitas dessas mortes", afirma Maria José, secretária executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, que reúne cerca de 130 organizações.
Além da baixa qualidade do pré-natal, os médicos apontam a falta de estruturação dos serviços como causa do alto número de mortes. Estima-se que pelo menos 20% das mulheres grávidas "perambulem" por dois ou mais hospitais até encontrar um leito.
"Quando a gestante consegue uma vaga, ela já chega arrebentada, com as condições de saúde agravadas", diz o médico Carlos Eduardo Pereira Vega, secretário do Comitê Central de Mortalidade Materna da cidade de São Paulo.
Estima-se que 10% dos casos de gravidez sejam de risco e necessitem de cuidados especiais. "São Paulo precisa de um serviço de pré-natal especial para essas mulheres, com a garantia de que terão um leito", diz Vega.
Oficialmente, não há falta de leitos de maternidade na cidade, mas uma desordem na distribuição. O problema estaria em alguns hospitais conveniados ao SUS, que acabam decidindo se aceitam ou não a internação. "Alguns hospitais diminuem os leitos do SUS para receber mais pacientes privados, ou aceitam apenas os casos mais simples, de preferência as cesáreas já marcadas previamente", afirma a médica Sara Sorrentino.
Os casos mais complexos acabam "empurrados" para os hospitais públicos e a demora aparece como fator importante nas mortes. O perfil das vítimas apresentado no encontro de ontem mostra que as mulheres mortas são as mais pobres. A maioria ganha até três salários mínimos, tem apenas o primeiro grau e cerca de 30% delas são mães solteiras.


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