São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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DANUZA LEÃO

A moda

Na última segunda-feira, estive em um jantar oferecido a editoras de moda de publicações estrangeiras, essas deusas que dizem o que se deve usar, o que não se pode, o que é permitido, o que é definitivamente proibido. Fui ao cabeleireiro, fiz uma escova, e como estava com um quilo a mais do que meu peso normal, comprei uma cinta, para que nem um só grama de gordura aparecesse aos olhos das moças. Passei horas pensando em como me vestir, e sem saber -como não sei- o que é moda hoje em dia, resolvi usar um pretinho básico, simples, daqueles que não deixam a menor dúvida. E ainda botei um colarzinho de pérolas, pobre de mim.
Fui pontual, e quase passei mal durante o jantar, sem poder respirar. Logo foram chegando as que entendem de tudo e começou, então, minha depressão.
Elas eram de diversas nacionalidades: havia duas alemãs, duas francesas, duas americanas, uma inglesa, uma espanhola, uma portuguesa. Como estavam? Vou tentar contar.
Para começar, os cabelos. Era visível que nenhuma havia pisado num cabeleireiro nos últimos dois anos, nem para cortar, nem para pintar, nem para fazer luzes, nem para nada. Havia de tudo: desde uma ruiva meio manchada até uma morena crespa pela própria natureza; todas deixaram claro que não ligam para essas coisas. Eu, com meus cabelos lisos e impecáveis, me senti um lixo.
Para piorar a situação (eu estava espremida como uma lingüiça), pelo menos três delas eram gordas, muito gordas mesmo, e quando cruzavam descuidadamente as pernas, nem ligavam para a grossura das coxas, que pareciam um pernil; vários pernis. Comeram de tudo, repetiram, e nem é preciso dizer que a palavra dieta não foi pronunciada em nenhum idioma. Como eu posso ser tão ridícula?
As roupas das que entendem de tudo eram, por assim dizer, incompreensíveis: desde vestidos com grandes estampas e decotes, mostrando seios imensos, até calça comprida com três tops, sendo que nenhum tendo nada a ver com o outro.
As bolsas e bijuterias não combinavam nem com os sapatos nem com nada, uma delas usava um vestido de gaze plissado, cor da pele, cintura no lugar, cinturão de couro debaixo dos seios e bolsinha de paetês coloridos. Eu me sentia cada vez pior, quando felizmente entrou uma jovem trajada de maneira que consegui, mais ou menos, entender: saia preta, cheia de babados, e por cima, uma jaquetinha jeans bem apertada.
Voltei para casa humilhada, ofendida, infeliz, achando -com razão- que não entendo de nada. A primeira providência que tomei, antes de me deitar, foi entrar no chuveiro e lavar a cabeça para dormir com o cabelo molhado, me arriscando a uma pneumonia, para ficar mais moderna.
No dia seguinte telefonei para uma amiga do ramo que me assegurou que, para chegar àquele visual, com os cabelos pavorosos e nada combinando com nada, elas passam o tempo todo pensando -um talento que eu invejo.
Olhei disfarçadamente para o espelho e quando me vi desgrenhada pensei que talvez já estivesse mais aceitável no mundo da moda. Abri meu armário e comecei a tentar misturar mentalmente peças do meu guarda-roupa, sem que nenhuma tivesse nada a ver com a outra; não consegui. Todas as tentativas foram inúteis, pois -pobre de mim- ainda acredito em uma certa harmonia no visual, e quem pensa dessa maneira não pode nem chegar perto do mundo sofisticado e incompreensível da alta (ou baixa, depende do ponto de vista) costura atual.
E já decidi: da próxima vez que me convidarem para um jantar da moda -se é que haverá uma próxima vez-, vou apagar a luz do quarto e ir pegando as peças de roupas sem olhar, talvez assim consiga ser mais aceitável; não tenho a pretensão de conseguir, mas pelo menos não vou pensar que morri e esqueceram de me avisar.
Muito triste, essa vida.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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