|
Texto Anterior | Índice
De volta ao Pantanal
Construção de dique e piscinão começa a trazer famílias de volta ao Jardim Pantanal, que ficou durante mais de três meses sob a água
JAMES CIMINO
DE SÃO PAULO
Sentada em uma das soleiras de alvenaria construídas
em todas as portas de sua casa no Jardim Pantanal (zona
leste de São Paulo), a dona de
casa Josefa Maria de Arruda,
60, junto ao marido aposentado Manoel Severino de Arruda, 64, contabiliza a origem de seu novo mobiliário.
Grande parte do antigo,
"com apenas três anos de uso
e que custou R$ 5.000", foi
destruído nos meses da enchente originada pelas chuvas incessantes que tomaram o bairro no último verão.
"Peguei aquele armário no
lixo para poder guardar minhas panelas." As compras,
Josefa guarda na geladeira
que estragou. A outra geladeira que a família usa atualmente foi fruto de doação.
Dos armários da cozinha,
só sobrou a parte de cima. O
restante foi serrado no mesmo nível em que a água alcançou (cerca de 1,20 m).
Na sala, cheirando a mofo,
o reboco ainda está "fofo" da
umidade. A TV nova foi presente de um dos filhos. Os sofás e a estante da sala, outra
doação. "Só salvou o fogão,
que coloquei em cima da
pia", conta seu Manoel, cuja
aposentadoria de pouco
mais de R$ 1.000 sustenta
ele, a mulher e quatro netos.
Embora a prefeitura esteja
construindo um dique de
1.600 metros que cercará toda a várzea, com sistema de
drenagem e um piscinão com
capacidade para 15.000 m3,
dona Josefa não pretende retirar as soleiras, onde machucou a canela várias vezes.
"Bastam 40 minutos de
chuva para que a água chegue até a porta. Você não
acha que a gente tinha que
ser indenizado?", pergunta a
aposentada ao repórter.
Anteontem, a prefeitura
lançou outro programa assistencial cujo objetivo é justamente auxiliar os moradores
a recuperar parte de suas perdas materiais. Chamado "Novo Começo", o programa dará mais R$ 1.000 a 3.700 famílias do local, além da chamada "bolsa aluguel" de
R$ 300 que já recebem.
A construção do dique e do
piscinão já começa a trazer
moradores removidos na
época da enchente de volta
ao lugar, como a família do
porteiro Jenival Pereira de
Lucena, 35.
A prefeitura, que pretendia tirar os moradores para a
construção do parque Várzeas do Tietê, hoje informa
que apenas os que estão em
situação irregular [invasão]
serão removidos.
POEIRA E DESTROÇOS
Por todo o bairro, ainda se
encontram traços da inundação: marcas da água na base
dos prédios da CDHU, destroços de casas desocupadas
próximas à várzea e carros de
lataria apodrecida cobertos
de poeira até o teto.
Seis deles pertencem ao
comerciante João Paulo Dutra, 54, que compra e revende
veículos usados na vizinhança. Três veículos já foram recuperados por R$ 1.500 cada.
"Paguei limpeza de motor,
arranque, dínamo e alternador", conta Dutra.
Os estofados, caros demais para serem trocados, foram mantidos, mesmo fedendo a esgoto.
O comerciante também
executou outras obras em casa para evitar a entrada da
água. Subiu o piso da cozinha, da sala e de sua mercearia em 25 cm. Não confia
100% no dique.
"Não fiz crediário para
comprar móveis novos. Vai
que enche de novo. A gente
depende da venda dos carros
e da mercearia. Alagado não
compra nada", conta a mulher de Dutra, Lúcia.
Ela leva a reportagem até a
sala, sem móveis e cheia de
material para a fabricação de
pipas que eles vendem na
mercearia a R$ 0,70 cada.
Essas pipas, principal diversão dos meninos do bairro, disputam lugar no céu
com os urubus que sobrevoam a várzea do Tietê.
Texto Anterior: FOLHA.com Índice
|