São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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De volta ao Pantanal

Construção de dique e piscinão começa a trazer famílias de volta ao Jardim Pantanal, que ficou durante mais de três meses sob a água

JAMES CIMINO
DE SÃO PAULO

Sentada em uma das soleiras de alvenaria construídas em todas as portas de sua casa no Jardim Pantanal (zona leste de São Paulo), a dona de casa Josefa Maria de Arruda, 60, junto ao marido aposentado Manoel Severino de Arruda, 64, contabiliza a origem de seu novo mobiliário.
Grande parte do antigo, "com apenas três anos de uso e que custou R$ 5.000", foi destruído nos meses da enchente originada pelas chuvas incessantes que tomaram o bairro no último verão.
"Peguei aquele armário no lixo para poder guardar minhas panelas." As compras, Josefa guarda na geladeira que estragou. A outra geladeira que a família usa atualmente foi fruto de doação.
Dos armários da cozinha, só sobrou a parte de cima. O restante foi serrado no mesmo nível em que a água alcançou (cerca de 1,20 m).
Na sala, cheirando a mofo, o reboco ainda está "fofo" da umidade. A TV nova foi presente de um dos filhos. Os sofás e a estante da sala, outra doação. "Só salvou o fogão, que coloquei em cima da pia", conta seu Manoel, cuja aposentadoria de pouco mais de R$ 1.000 sustenta ele, a mulher e quatro netos.
Embora a prefeitura esteja construindo um dique de 1.600 metros que cercará toda a várzea, com sistema de drenagem e um piscinão com capacidade para 15.000 m3, dona Josefa não pretende retirar as soleiras, onde machucou a canela várias vezes.
"Bastam 40 minutos de chuva para que a água chegue até a porta. Você não acha que a gente tinha que ser indenizado?", pergunta a aposentada ao repórter.
Anteontem, a prefeitura lançou outro programa assistencial cujo objetivo é justamente auxiliar os moradores a recuperar parte de suas perdas materiais. Chamado "Novo Começo", o programa dará mais R$ 1.000 a 3.700 famílias do local, além da chamada "bolsa aluguel" de R$ 300 que já recebem.
A construção do dique e do piscinão já começa a trazer moradores removidos na época da enchente de volta ao lugar, como a família do porteiro Jenival Pereira de Lucena, 35.
A prefeitura, que pretendia tirar os moradores para a construção do parque Várzeas do Tietê, hoje informa que apenas os que estão em situação irregular [invasão] serão removidos.

POEIRA E DESTROÇOS
Por todo o bairro, ainda se encontram traços da inundação: marcas da água na base dos prédios da CDHU, destroços de casas desocupadas próximas à várzea e carros de lataria apodrecida cobertos de poeira até o teto.
Seis deles pertencem ao comerciante João Paulo Dutra, 54, que compra e revende veículos usados na vizinhança. Três veículos já foram recuperados por R$ 1.500 cada. "Paguei limpeza de motor, arranque, dínamo e alternador", conta Dutra.
Os estofados, caros demais para serem trocados, foram mantidos, mesmo fedendo a esgoto.
O comerciante também executou outras obras em casa para evitar a entrada da água. Subiu o piso da cozinha, da sala e de sua mercearia em 25 cm. Não confia 100% no dique.
"Não fiz crediário para comprar móveis novos. Vai que enche de novo. A gente depende da venda dos carros e da mercearia. Alagado não compra nada", conta a mulher de Dutra, Lúcia.
Ela leva a reportagem até a sala, sem móveis e cheia de material para a fabricação de pipas que eles vendem na mercearia a R$ 0,70 cada.
Essas pipas, principal diversão dos meninos do bairro, disputam lugar no céu com os urubus que sobrevoam a várzea do Tietê.


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