São Paulo, domingo, 03 de julho de 2011

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OPINIÃO

Muita gente ainda está no armário, com medo do preconceito

Em 2008 foram 190 homicídios por homofobia no Brasil, contra cinco reportados pelo FBI nos EUA naquele ano

OS AVANÇOS DEMONSTRAM DECISÃO DE INTEGRAR GRUPO MARGINALIZADO NA TRADIÇÃO DA FAMÍLIA

MICHAEL KEPP
COLUNISTA DA FOLHA

A decisão unânime do STF, em maio, reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo, foi uma vitória histórica e enfática para os direitos dos gays no país.
E o juiz que, no final de junho, converteu a união estável no primeiro casamento civil gay no Brasil deu um passo à frente semelhante, menor. Mas, a despeito dos avanços, a homofobia ainda está amplamente presente aqui e é muito pior que em meu país de origem, os EUA.
Em 2008 foram 190 homicídios por homofobia no Brasil -segundo o Grupo Gay da Bahia, primeira associação de defesa dos direitos dos homossexuais no país-, contra cinco homicídios semelhantes reportados pelo FBI nos EUA naquele ano.
O xingamento "veado!", comum aqui, é usado em estádios de futebol para vaiar qualquer jogador que não atenda as expectativas. E, nas escolas, os alunos recusam o 24 como número de chamada porque corresponde ao do veado no jogo do bicho. Quando dois amigos do mesmo sexo são inseparáveis, vem a insinuação que "algo pode estar rolando".
Muitos brasileiros gays permanecem no armário para evitar a discriminação, no local de trabalho e fora dele.
Muitos gays americanos, incluindo políticos destacados, começaram a sair do armário décadas atrás.
A TV reflete e molda esse avanço. O primeiro beijo lésbico da TV americana foi na serie "L.A Law" em 1991 e, entre homens, na série "Dawson's Creek", em 2000.
O primeiro beijo entre duas mulheres na TV brasileira só foi no SBT em maio, mas o canal proibiu a mesma cena entre dois homens.
Os EUA viraram o berço do movimento dos direitos gays devido à rebelião de Stonewall, em 1969, quando uma invasão policial de um bar gay em Nova York desencadeou protestos violentos.
O movimento avançou quando, no final de junho, a Assembleia Legislativa de Nova York fez do Estado o sexto dos EUA a legalizar o casamento gay. Outros oito Estados permitem a união estável ou algo semelhante para casais homossexuais.
Mas os EUA não são nenhuma meca da tolerância.
Trinta Estados proíbem o casamento gay. E foi apenas em 1967 que a Suprema Corte americana legalizou os casamentos inter-raciais, direito que nunca foi negado no Brasil, país muito menos racista.
Os avanços recentes conquistados para os casais gays nos EUA e no Brasil podem ser menos radicais do que parecem. Afinal, eles demonstram apenas uma decisão de tribunais e Legislativos de integrar um grupo marginalizado em uma tradição benévola e majoritária, a criação da família. Um gesto, no fundo, bastante conservador.

MICHAEL KEPP é americano, jornalista radicado há 28 anos no Brasil e autor do livro "Tropeços nos Trópicos - Crônicas de um Gringo Brasileiro" (Record)


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