São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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Manuais de sobrevivência

Alta competitividade e falta de convivência social aquecem mercado da auto-ajuda

Para especialistas, fenômeno indica que há problemas nas relações pessoais; TV tem até programa para resolver relação do dono com seu cão

LAURA CAPRIGLIONE
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

O que faço se meu filho faz birra para não tomar banho? Como perco peso sem abrir mão do chocolate? Qual é o melhor jeito de arrancar do chefe um bom aumento de salário? Como domo meu cão agressivo? Que lugares do mundo preciso conhecer antes de morrer? Que livros não posso deixar de ler? De que forma conquisto meu primeiro milhão?
Embora essas questões não sejam nada fáceis, é possível ter resposta para cada uma delas -e sem esforço. A auto-ajuda multiplicou seu cardápio de temas e, agora, vem na forma de livro, filme, revista, site da internet, programa de rádio e TV.
Dos 20 livros mais vendidos na rede Siciliano de 12 a 18 de julho, seis foram de auto-ajuda. Desses, o maior fenômeno é "O Segredo" (Ediouro), que gira em torno da premissa de que, quando você quer, o universo conspira a seu favor. Está lá: "Seu objetivo é o que você determinar. Sua missão é a que você se atribui. Sua vida, do jeito que você a criar. (...) Você pode preencher o quadro-negro de sua vida com o que desejar".
Como explicar que o livro, além de ter ganhado versão para o cinema, está há mais de um ano na lista dos mais vendidos? Quem responde é um dos fundadores da auto-ajuda no Brasil, o médico Lair Ribeiro, autor de "O Sucesso não Ocorre por Acaso", lançado em 1992 e que ficou 55 semanas em primeiro lugar na lista dos best-sellers.
"O passarinho, para voar, precisa de duas asas. Assim é com o sucesso: ele depende de dois fatores -a atitude mental e a ação. Muitas vezes, o sujeito tem tudo, menos a atitude mental, o desejo, o querer algo. Livros como esse ["O Segredo"] são eficientes para fazer a pessoa entrar em contato com seus próprios desejos", ele defende.
Para os especialistas, o sucesso da auto-ajuda é um mau sinal: indica que as relações pessoais já não são como antes. "Antigamente, quando a mãe tinha dúvidas sobre o que fazer na vida, ela conversava com a avó, com a irmã, com a amiga, com a vizinha. Hoje, praticamente não existe isso. A mulher trabalha o dia inteiro, tem a vida corrida, em muitos casos é separada do marido. Falta convívio. Então ela precisa recorrer a manuais", explica a terapeuta de família e professora da PUC-SP Magdalena Ramos.
Na TV, o melhor exemplo de auto-ajuda é o reality show britânico "Supernanny". Em cada episódio, uma família desesperada chama uma babá que ensina a educar os filhos. O programa ganhou adaptações no mundo todo, incluindo o Brasil.
Três meses atrás, a "Supernanny" brasileira socorreu um casal de classe média de São Paulo que evitava sair na rua porque os quatro filhos passavam o tempo todo se engalfinhando. Para domar as feras, a babá deixou mais alegre a decoração do quarto das crianças, colou na parede placas com regras do tipo "não brigar" e criou, como local de castigo, o "tapetinho da disciplina".
"Se não fossem essas mudanças, eu não conseguiria estar falando com você agora pelo telefone. Eles estariam gritando, chorando...", disse à Folha a coordenadora de call center Andressa Batanov, 30, que até hoje segue à risca as soluções dadas pela babá do SBT.
A fórmula "Supernanny" deu tão certo que existe até uma versão canina: "Ou Eu ou o Cachorro". Passa no GNT.
A psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão lembra que a vida de antes oferecia poucas opções. Décadas atrás, todas as crianças tinham, por exemplo, de dormir cedo e obedecer aos pais. Sem questionamento. "Hoje não há isso. Cada família pode criar os filhos do jeito que quiser. Há tantas opções, que é difícil escolher. É nessa brecha que a auto-ajuda entra. O livro escolhe pela pessoa", diz ela.

Vencedores
O slogan da editora Gente, a primeira a se assumir como especializada em auto-ajuda, é "Gente Fazendo Livros, Livros Fazendo Gente". "A gente quer saber o que inquieta e aflige o nosso leitor potencial. E, a partir daí, sai em busca do melhor profissional para escrever", diz Anderson Cavalcante, 30, diretor-executivo da editora.
"Nossa idéia é melhorar o desempenho do nosso leitor em um mundo hipercompetitivo", diz Cavalcante. "Cada vez mais, as regras capitalistas impõem-se com mais força sobre as relações profissionais, pessoais, afetivas. Natural, pois, que as pessoas tenham mais aspirações em relação ao sucesso, ao poder, ao dinheiro, aos relacionamentos, às suas famílias, a si mesmas. Por que não oferecer a experiência dos vencedores a quem ainda não é?"
É o caso de Gustavo Cerbasi, 34, administrador de empresas formado pela Fundação Getulio Vargas, com especializações em finanças no Brasil e nos EUA. Autor de dois livros na lista dos mais vendidos ("Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" e "Investimentos Inteligentes"), ele é exemplo da mais recente mina de ouro da auto-ajuda: a que lida com gestão de carreira e finanças pessoais.
"Os brasileiros estão vivendo uma transformação muito grande em seus padrões de vida. Gente que nunca pôde consumir agora pode. E a pergunta que se faz é: como manter a roda da fortuna girando?", diz.


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