São Paulo, segunda-feira, 03 de agosto de 2009

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Agências de modelo vigiam peso de meninas de 11 anos

Interessadas na carreira sofrem controle mensal das medidas; médicos condenam prática

"Isso pode ser muita pressão para uma menina; é aí que ela pode começar a tomar diurético, laxante e fazer loucuras", afirma médico

Danilo Verpa/Folha Imagem
Menina aspirante a modelo participa de peneira em agência


DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Meninas de 11 e 12 anos, que mal entraram na puberdade, têm sido vigiadas por representantes de agências de modelo como Ford, Elite e Way.
Periodicamente, quase mês a mês, suas medidas são tiradas num recado claro: se continuarem bem magrinhas (até 62 cm de cintura e 90 cm de quadril, mesmo com 1,80 m de altura), terão a chance de um dia, quem sabe, serem contratadas.
A prática é condenada por endocrinologistas e mostra que pouca coisa mudou no mercado de moda desde que a modelo Ana Carolina Reston, de 21 anos, morreu de anorexia em novembro de 2006, com 1,74 m e absurdos 40 quilos.
Na época, houve até um acordo judicial, intermediado pelo Ministério Público, por meio do qual foi estabelecido que nenhuma menina com menos de 16 anos poderia desfilar no São Paulo Fashion Week, o maior evento de moda do país.
Desde então, as agências, de fato, passaram a só contratar garotas mais velhas. Mas, como não querem perder as "promissoras" para a concorrência, têm recrutado pré-adolescentes, que acabam vivendo a puberdade no crivo da fita métrica.
"Isso pode ser muita pressão para uma menina de 11 ou 12 anos. Por mais que elas sejam magras, o corpo está mudando nessa fase, formando contornos femininos. Sair das medidas pode ser desesperador. É aí que ela pode começar a tomar diurético, laxante e fazer loucuras", afirma o endocrinologista João Cesar Castro Soares, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O endocrinologista Bruno Geloneve, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), concorda e rebate o principal argumento das agências para defenderem a prática -o de que não estimulam ninguém a fechar a boca, porque só escolhem meninas que já são magras e indicam nutricionistas para que se alimentem bem.
"Nenhum médico pode saber se uma menina magra de 12 anos vai continuar magra aos 15, mesmo mantendo uma alimentação saudável. O máximo que pode se prever é a altura, mas não o peso", diz Geloneve.
Segundo a psiquiatra Gizela Turkiewicz, que atende no Hospital das Clínicas crianças e adolescentes com transtornos alimentares, a pressão para não sair das medidas pode surtir efeitos diversos. "Uma situação assim [de ultrapassar as medidas exigidas] pode ser o gatilho para anorexia, se a garota tiver predisposição genética para isso. Mas a pressão pode causar outros problemas, como ansiedade, que pode se refletir em dificuldades familiares e na escola", explica.

Lição de casa
Olheiros das agências costumam viajar pelo Sul do Brasil, tradicional celeiro de tops, em busca de possíveis modelos. Mas, em geral, são as meninas que batem a suas portas.
Gaúcha de São Leopoldo (RS), Luciana (nome fictício), de 11 anos, chegou a São Paulo há duas semanas em um ônibus de excursão com outras aspirantes à carreira.
Foi selecionada pela Way Model (que agencia tops como Carol Trentini) para o monitoramento -no qual o único pagamento é a própria oportunidade de talvez virar modelo.
O agente Alisson Chornak foi quem a escolheu e passou algumas tarefas: cuidar da pele (hoje, com espinhas), do cabelo (maltratado pela tintura loira) e vigiar bem as medidas.
Com 1,73 m de altura, sem nem ainda ter menstruado, a estudante contabiliza 55 cm de cintura e 85 cm de quadril. Até completar 14 ou 15 anos, enviará suas centimetragens atualizadas à agência e, vez ou outra, será medida pessoalmente.
Sua mãe, dona de casa, diz não ver problemas se a filha precisar fazer dieta. "Ela está acostumada a comer pouco. E, se tem vontade de ser modelo, vai ter que se controlar", diz.
Renato Sprovieri Junior, diretor comercial da Elite Model, conta que manda um representante medir as meninas pessoalmente. "Não dá para confiar nas medidas que elas passam. Precisamos que alguém as meça para termos garantia."
Ele conta que, ano passado, uma jovem de 13 anos quis parecer tão magra que manipulou sua imagem no Photoshop e "o pé parecia um palito de fósforo, de tanto que tinha se esticado".
A paranoia não é gratuita. Há meninas que recebem a encomenda expressa de perder peso. "Se [a tarefa] é emagrecimento, todo mês a gente pede [para um representante medi-las], inclusive para ter um incentivo de uma meta a cumprir. Falamos: "E aí, "tá" chegando o dia de você vir aqui medir..." Fazemos isso para poder estimulá-las", diz Sprovieri.


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