São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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MASSACRE NO CENTRO

Em ato para lembrar as vítimas do ataque, manifestantes pediram abrigos e empregos; Erasmo Dias foi vaiado

Na Câmara, morador de rua cobra respeito

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos de pé para o início da sessão. "Play" na melodia do Hino Nacional. Logo na primeira estrofe, a fita engasgou e a melodia sumiu, mas os 55 moradores de rua que ocupavam as cadeiras dos vereadores de São Paulo elevaram a voz e prosseguiram, verso a verso e em coro, a cantar à capela.
Foi assim, ontem no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, o início do ato público em solidariedade às vítimas dos ataques a pessoas em situação de rua.
A sessão, organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, foi presidida pelo morador de rua Ciro Susumo, que chamou outros colegas para falar na tribuna do plenário da Casa.
Alguns mais envergonhados, outros despachados, eles foram, um a um, à Mesa Diretora.
"Só albergue não serve para nós. Queremos dignidade e soluções", bradou um em camisa social.
"Hoje, estamos dando um novo passo rumo à cidadania", comemorou ao microfone do plenário Renato Sena, 39. "Acordamos para a participação social", disse ele.
A Mesa Diretora foi composta também pelo padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, pela pastora Mabel Garcia, da Associação Evangélica Beneficente, e pelos vereadores Lucila Pizani Gonçalves (PT), Alcides Amazonas (PC do B), Flávia Pereira (PT) e Beto Custódio (PT).
A sessão também foi acompanhada pelo presidente da Casa, o vereador Arselino Tatto (PT), e pelo vereador Erasmo Dias (PP), que, quando falou do atendimento ao morador de rua de 30 anos atrás, época em que foi secretário da Segurança Pública, foi vaiado ao usar a palavra mendigo.
"Os mendigos eram abordados pela polícia, levados para um abrigo e tinham de tomar banho com neocid [inseticida]", contou Dias. "Depois, os policiais diziam que, se o sujeito fosse encontrado outra vez, seria autuado por vadiagem e detido por 30 dias."
Da platéia, veio um grito: "A ditadura nunca defendeu os direitos humanos. Aqui é a casa do povo, hoje é o nosso dia e estamos de luto. O senhor nos respeite!"
Dias retrucou: "Retiro-me constrangido e humilhado. Não posso aceitar ser vaiado aqui". E veio a grande vaia. "Que Deus os perdoe", completou o deputado. E a platéia, em coro: "Amém!".
Os moradores de rua votaram propostas de concessão de 80 vagas em locação social e de 200 bolsas-aluguel. Eles pediram mais vagas para famílias em albergues e em moradias provisórias.
Pediram ainda o atendimento em repúblicas terapêuticas para doentes mentais e acesso às Unidades Básicas de Saúde.
Propuseram a abertura de mais frentes de trabalho e que as empresas que prestam serviços para a prefeitura destinem 5% de suas vagas para eles. Também pediram para que possam tomar banho em banheiros públicos.
O presidente da Casa disse que todas as propostas apresentadas eram "perfeitamente factíveis" e que elas seriam analisadas durante a votação do Orçamento.


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