São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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"Cracolândia" expande os seus domínios

Um ano após a Prefeitura de SP ter anunciado reformas para recuperar a região, traficantes aumentaram área de influência

Carros da polícia passam sem notar o consumo de drogas até por crianças e sem abordar os traficantes; melhorias nem começaram

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Policial em motocicleta passa em frente a consumidores de crack na rua Mauá, na "cracolândia"


LAURA CAPRIGLIONE
RICARDO GALLO

DA REPORTAGEM LOCAL

Lembra quando, há um ano, a Prefeitura de São Paulo anunciou que passaria o trator sobre os prédios que compunham a "cracolândia", reduto do consumo de crack no centro da capital, e que lá ergueria a versão paulistana do Silicon Valley, um pólo de tecnologia? Quem passava na última quinta pelas quadras degradadas da "cracolândia" poderia no máximo enxergar um vale do Silicone na rua hoje ocupada por travestis, a do Triunfo. Do tal pólo de tecnologia, nem sombra. E o crack, bem, o crack ainda impera. Pior, seus domínios cresceram.
A droga, derivado barato da cocaína, é consumida a céu aberto em toda a região da "cracolândia" (veja quadro à página C4). Até o ponto de uma pichação avisar que a calçada em frente à loja no finzinho da rua Mauá, quase defronte à histórica estação da Luz, transformou-se em território exclusivo do crack: "Só nóia. Muita paz, saúde e felicidade. Feliz 2006".
Da mesma forma que se anunciam as faixas de trânsito exclusivas para ônibus, estacionamentos privativos para deficientes, a turma do crack -traficantes e usuários- resolveu demarcar a sua área. Os transeuntes aceleram o passo. Ali, sabe-se, "só nóia".
Às 20h da última quinta-feira, contavam-se 25 pessoas fumando crack. Entre elas, sete meninos aparentando idades inferiores a dez anos. Todos estavam sentados nas calçadas da loja pichada com o "Só nóia". O ar sinistro piorava por uma coincidência: a loja, fechada, ostentava uma faixa amarela, com letras vermelhas, em que se lia: "Queima total". Jogados no chão, embrulhados em cobertores desses que entidades assistenciais distribuem gratuitamente nas noites frias, os usuários de crack punham fogo em suas pedras -a luz dos isqueiros brilhando na escuridão também era "queima total".
A novidade é que a "cracolândia" cresceu. A reportagem da Folha observou consumidores de crack em plena ação na avenida Cásper Líbero, viu 53 usuários reunidos na rua Helvétia próximo à avenida Rio Branco, flagrou um grupo de 28 na rua Guaianazes e outro de 32 na rua Barão de Piracicaba, a menos de um quarteirão do quartel do Corpo de Bombeiros atacado pelo PCC durante a onda de atentados de maio.
Na rua Doutor Frederico Steidel, um grupo de cinco pessoas acendia seus cachimbinhos quando o carro da reportagem aproximou-se. Uma mulher, no máximo 30 anos, aproveitou para oferecer um "bilico-bico", ou "cocô de mosca", ao preço de R$ 2. Traduz-se: é esse o preço de uma minipedrinha de crack, suficiente para "um tiro", uma tragada.
A polícia, chamada de "loira" no mundo do crack, parece não ver a hiperatividade dos traficantes, mãos cheias de pedras -primeiro a grana, depois a entrega- e as crianças sob a pichação "Só nóia". Às 20h, o carro da Polícia Civil identificado por P-190-198 parou no hotel Monte Neve, a 20 metros da concentração de usuários. Saiu, passou na frente dos consumidores e se foi. Depois, passaram quatro motos, PMs a bordo. Então, duas Blazers do Deic-Garra, da Polícia Civil. Mais tarde, entre outros, carros da PM identificados por M-07207, M-34220, M-34216 e M-07209, além de uma Blazer da Delegacia de Capturas. Todos passaram sem nem dirigir a palavra aos usuários ou às crianças que fumavam, indiferentes.


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