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Combate à Aids tem "lista de Schindler", diz médico
Presidente da Sociedade Internacional de Aids quer acesso universal até 2010
Infectologista vê problema
na falta de vontade política
em investir dinheiro para
que pessoas não morram
por uma doença controlável
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
Primeiro presidente da Sociedade Internacional de Aids
nascido no Terceiro Mundo, o
médico infectologista argentino Pedro Cahn, 58, professor
da faculdade de medicina da
Universidade de Buenos Aires,
diz que o acesso ao tratamento
do HIV no mundo é como uma
"lista de Schindler": alguns portadores são escolhidos para ser
salvos, enquanto outros são
condenados a morrer.
Por dia, 11,2 mil pessoas se infectam com o vírus e há cerca
de 8.000 mortes relacionadas à
Aids no mundo, de acordo com
dados do Unaids, o programa
da ONU para HIV/ Aids.
Com cerca de 11 mil membros em 153 países, a entidade é
formada por profissionais que
atuam no estudo, na prevenção
e no tratamento da Aids.
Leia trechos da entrevista
que o infectologista concedeu à
Folha.
FOLHA - O que significa a escolha
do sr. para presidir a sociedade?
PEDRO CAHN - É uma mensagem
forte que a Sociedade Internacional de Aids está enviando sobre seu compromisso com o
que acontece em todos os países do mundo, e não somente
com os mais desenvolvidos.
FOLHA - Na conferência mundial, o
sr. afirmou que a América Latina parece estar ausente da agenda dos organismos internacionais, em razão
da preocupação com a África.
CAHN - Na América Latina, temos aproximadamente 2 milhões de pessoas vivendo com
HIV. O problema é que a porcentagem de pessoas da região
que tem acesso ao tratamento
está em cerca de 60%, melhor
que outras regiões, como a África, onde o número fica entre
10% e 15%. Mas isso é impulsionado pelos programas de alguns países. Brasil, em primeiro lugar, e depois Argentina,
México, Chile, Uruguai, Venezuela e Cuba. No resto dos países, o acesso é muito pequeno
ou nulo. E ainda há muita gente
que precisa de tratamento e
ainda não sabe.
FOLHA - A situação é grave?
CAHN - Sim. A situação da África, como um todo, é mais grave.
Mas, quando alguém contrai o
HIV na América Latina e não
recebe tratamento, morre como se estivesse na África. É o
caso, por exemplo, das pessoas
que vivem no Haiti e Honduras.
FOLHA - Quanto dinheiro é preciso
para atender a todos que têm HIV?
CAHN - Para atingir o acesso
universal à prevenção, cuidado
e tratamento, em 2008 necessitaremos de US$ 23 bilhões. Veja a magnitude do esforço que
temos de fazer. Estamos longe.
Como os organismos internacionais não querem firmar um
compromisso numérico, então
estamos falando de um acesso
parcial. Na verdade, trata-se de
uma lista de Schindler, na qual
alguns entram para salvar suas
vidas e outros não -são condenados ao sofrimento e à morte.
Devemos manter a pressão sobre os líderes do G8 para que
cumpram seu compromisso de
dar acesso universal em 2010.
Agora, pretendemos pressionar mais intensamente.
FOLHA - O pequeno número de
produtores dos princípios ativos dos
medicamentos para conter o vírus
também complica o acesso?
CAHN - As substâncias são produzidas por poucas indústrias,
mas não faltam. O que falta é
vontade política para investir
dinheiro para que as pessoas
não continuem morrendo de
uma doença tratável. Se há uma
tragédia natural, um tsunami,
surge toda a ajuda. No caso da
Aids, são mil tsunamis juntos.
FOLHA - O sr. acredita na cura da
Aids? Para quando?
CAHN - Quando ocorrer, o problema ainda será o mesmo: como fazer para o medicamento
que cura chegar a todos?
FOLHA - Como o sr. avalia a experiência do Brasil?
CAHN - É a mais bem-sucedida
do mundo no que se refere ao
tratamento dos portadores e ao
não aceitar qualquer preço dos
produtores. O Brasil tem muito
a ensinar, particularmente a
países da África e da Ásia.
FOLHA - Por que não foi utilizado o
mecanismo de quebra de patentes?
CAHN - O ideal é sempre tentar
um acordo, negociar com as
companhias fabricantes para
não chegar a esse ponto. Esse é
o último recurso. O Brasil esteve próximo disso no ano passado, mas, no final, foi feito um
acordo com a farmacêutica.
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