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Justiça condena 3 policiais por tráfico
Investigadores do departamento de narcóticos de SP recebem pena de 12 anos de prisão por terem financiado remessa de cocaína
César Porcelli e os irmãos
Sérgio e Sandro Saconi
continuam no Denarc, em
função administrativa, e
podem recorrer em liberdade
MARIO CESAR CARVALHO
KLEBER TOMAZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Três investigadores do Denarc, o departamento de narcóticos da Polícia Civil de São
Paulo, foram condenados a 12
anos de prisão por tráfico de
drogas. Não é um simples caso
de policial que se torna traficante. No decorrer do processo,
a cúpula do Denarc defendeu os
investigadores e tentou evitar
que eles fossem presos pela PF.
Os delegados que comandavam o departamento alegaram
que os policiais estavam infiltrados num grupo criminoso
para depois incriminá-lo. A
Justiça desconsiderou o argumento. Não havia autorização
judicial para a infiltração.
Os investigadores -os irmãos Sérgio Antonio Saconi,
39, e Sandro José Saconi, 37, e
César Wesley Porcelli, 39- foram condenados por terem financiado a remessa de 1,5 kg de
cocaína de Manaus (AM) para
Campinas (SP) em 2004.
De acordo com a Polícia Federal, o volume de droga que
eles negociavam era muito
maior, de 1 .520 kg. O grande
negócio não foi concretizado
porque a PF prendeu os traficantes que os policiais usavam,
segundo a decisão judicial.
O trio condenado continua
trabalhando no Denarc, mas
está em função administrativa:
perdeu o direito de portar armas e usar o distintivo. Presos
pela PF em novembro de 2004,
os três obtiveram em abril de
2006 um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que
lhes dá o direito de apelar da
condenação em liberdade.
A Corregedoria da Polícia Civil investiga os três policiais
condenados. A tendência do órgão é seguir a decisão judicial e
pedir a demissão do trio. A condenação ocorreu em julho.
A PF esbarrou no caso dos
policiais traficantes ao investigar um grupo de colombianos
em Araçoiaba da Serra, a 117 km
de São Paulo. Ao grampear um
telefone público que os traficantes usavam, a PF deparou-se com os policiais. As conversas mostram que eles negociavam a compra de cocaína. Ainda segundo a investigação da
PF, os irmãos Saconi cuidavam
da segurança dos traficantes
durante o transporte da droga.
Robert Leon Carrel, um dos
delegados mais famosos da história do Denarc, por causa da
quantidade de drogas que
apreendia, aparece em interceptações telefônicas combinando com um dos investigadores condenados, Sérgio Saconi, onde pegariam a droga.
"Tem um hangarzinho?",
pergunta Carrel.
"Tem", responde Sérgio.
"Não tem PM, não tem nada...", quer saber Carrel.
"PM?"
"É."
"Há, não. É bem... o negócio é
agrícola", afirma Sérgio.
"Minha preocupação é: a
gente tá lá esperando os caras e
acontece que nem aconteceu
em Itu. Caralho! E chega aquele
monte de filha da puta de PM
lá", explica o delegado.
Logo em seguida, Carrel parece detalhar o que estavam negociando: "Tá legal, tá bom pra
caralho, pô! 100 kg, caralho! A
gente já vira a página".
Quando foi preso o traficante
que trazia 1,5 kg de cocaína de
Manaus, Sérgio ligou para o delegado e ele orientou-o a ir até o
Denarc. Carrel, no entanto, não
foi acusado no processo.
Dois delegados da Polícia Civil que conversaram com a Folha dizem que a PF pode ter incluído o nome de Carrel no processo por ciúmes das apreensões que ele fazia, superiores à
dos federais. Até 2004, Carrel
era abastecido com informações do DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos.
Carrel era uma lenda entre os
policiais. Teria alugado helicóptero para fazer o papel de
traficante superpoderoso.
Num outro episódio, teria aparecido de cadeira de rodas, interpretando um traficante tetraplégico. Como fazia apreensões de grande porte, nunca teve seus métodos questionados.
Outros dois delegados da cúpula do Denarc à época, Ivaney
Cayres de Souza e Everardo
Tanganelli, testemunharam na
corregedoria a favor dos investigadores -disseram que eram
bons profissionais.
No processo, o delegado da
PF Sílvio César Fernandes Dias
diz que Ivaney, Everardo e Carrel tentaram impedir a prisão
dos investigadores. Ivaney teria ligado a ele e ameaçado:
"Seu trabalho é sem critério.
Você vai ver o que vai acontecer
com você". Ivaney refuta essa
versão. Diz que foi ele quem
prendeu os três investigadores.
Na interpretação do juiz, a
infiltração dos investigadores
era uma farsa. Quando o traficante peruano foi preso com 1,5
kg de cocaína no aeroporto de
Viracopos, em Campinas (95
km de SP), os policiais do Denarc estavam no local. Se fossem infiltrados, eles ajudariam
a PF a efetuar a prisão. Os investigadores, porém, fugiram.
Outra evidência de que os investigadores eram traficantes,
segundo o juiz, foi que nenhum
grama de cocaína comprada
por eles foi apresentado ao Denarc -a droga era revendida
pelos investigadores.
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