São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2010

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BARBARA GANCIA

Um homem de Deus?


Para José Alencar, todo mundo é igual, de Maria Madalena ao rei Salomão. Será?

VAMOS DIRETO ao que interessa? Pois não, então vou logo perguntando: o filho nascido de uma relação casual com uma profissional do sexo merece tratamento igual ao filho tido com quem se escolhe para passar a vida inteira?
O rebento que é resultado de um descuido, que não foi desejado, planejado nem concebido com amor, mas que é produto de um ato sexual fortuito e negociado entre as partes pode vir a ser querido como filho?
É este o cerne da questão que envolve o vice-presidente José Alencar, que desde 2001 vem se esquivando na Justiça de uma investigação de paternidade? Ou não?
Vamos por partes. Gosto sempre de começar por mim, pois, como diria o Washington Olivetto, já falamos demais de mim, agora deixe que EU fale sobre a minha pessoa.
Então, ia dizendo. Não ando por aí batendo no peito e me orgulhando de ter um canal aberto de comunicação com o Lá de Cima. Ao contrário, orgulho-me de já ter cometido quase todos os pecados da cota que me foi reservada pelas próximas oito encarnações. Fica faltando pouca asneira por cometer e, assim sendo, ouso opinar que o filho da família estabelecida leva, sim, vantagem sobre a criatura que aparece batendo na porta exigindo o exame de DNA.
Lei ou não, é natural que o pai involuntário se considere injustiçado quando descobre a bomba de efeito retardado aos seus pés. Mas, no Brasil, o fato é tão comum que as grandes seguradoras já deveriam até ter pensado num produto novo: o seguro contra o filho surpresa.
FHC, Lula, Collor, Quércia, Pelé... boa parte dos poderosos sob a luz do sol já experimentou o gostinho. E a coisa é tão particular que não se pode nem mesmo medir caráter a partir da reação de cada um.
Mas o vice-presidente José Alencar não é uma pessoa qualquer e muito menos um pecador como esta cristã omissa que vos fala. Ele faz questão de passar uma imagem quase santificada. Com seu sofrimento dos últimos anos, com sua humilhação de quem admite publicamente não conseguir mais fazer o básico sozinho, com sua fala mansa que inspira confiança, com as demonstrações de afeto pela família, com sua simpatia e simplicidade e as constantes referências ao Senhor, eu acabei construindo um José Alencar quase beatificado, um homem de Deus.
E pessoa dessa estatura a gente imagina que não faça distinção entre seres humanos. Para Zé Alencar, todo mundo deveria ser igual, de Maria Madalena ao rei Salomão, não é mesmo?
É admirável perceber que deste homem tão vocal na sua crença em Deus é que parte a insinuação de que Rosemary de Morais, 55, tem direitos pela metade por ter sido sua mãe uma prostituta.
Faz sentido Alencar, homem de posses e visibilidade, achar-se alvo de aproveitadores. Mas admira que o Todo Poderoso ainda não tenha aconselhado o vice-presidente a fazer logo o exame de DNA e a virar essa página lamentável de sua história que já se arrasta há dez anos.
É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Na hora de passar desta para melhor, nada se leva. No caso, então, convém ter a consciência tranquila.

barbara@uol.com.br

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